Os robôs estão indo à escola
Aplicar a inteligência artificial para personalizar o ensino é uma chance de tornar o colégio um lugar mais atraente
Nos últimos tempos, o termo inteligência artificial (IA) vem deixando de ser associado às distopias de cinema, em que robôs pensantes exterminam a humanidade, e começa a ingressar no vocabulário de diferentes departamentos da vida cotidiana. De máquinas capazes de processar milhões de dados simultaneamente e amoldar-se a hábitos e demandas de quem as manipula, surgiram sistemas de busca como o Google, aplicativos de trânsito como o Waze e assistentes virtuais como a Siri, que até conversa, embora em uma zona limitada de interação. Uma nova fronteira dessa cada vez mais estreita relação homem-máquina começa a se abrir agora na sala de aula, impulsionando uma mudança que, ainda tímida, se promete definitiva no jeito de ensinar e aprender.
A inteligência artificial tem o potencial de desbravar o modo como o aluno conectado a um computador absorve a informação, os pontos em que ele tropeça e os que o atraem com base em códigos sofisticados — os algoritmos. O diagnóstico sobre cada um é apenas a primeira parte da história, seguida de outra que, aí sim, pode revolucionar a educação tal como a conhecemos: conforme o estudante vai avançando na matéria, o sistema inteligente se adapta e muda o rumo da lição, enfatizando pontos mal assimilados, em que persistem dúvidas, ou dando complexidade às tarefas para estudantes que precisam ser mais desafiados. Em outras palavras, a máquina personaliza o aprendizado, mesmo em uma classe cheia. “A diferença entre a IA e os velhos métodos de cruzamento de dados está não só no fato de as máquinas aprenderem sozinhas, mas em sua capacidade de prover respostas elaboradas e precisas”, diz o engenheiro Carlos Pedreira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A aplicação de inteligência artificial nas escolas está no princípio, no Brasil e no mundo, até porque esse é um campo em franca pesquisa. Mas a tendência é de crescimento, segundo mostra um recente relatório da consultoria americana Research and Markets: nos próximos três anos, a previsão é que a IA se expanda quase 50% em escolas dos Estados Unidos. Na China, onde um plano nacional de investimento injetará quase 80 bilhões de dólares em pesquisas na área até 2025, o uso de inteligência artificial nas escolas será aos poucos obrigatório. No Brasil, veem-se experiências aqui e ali que já revelam o seu potencial. Em unidades do grupo Objetivo, um desses algoritmos servirá em breve para a correção de provas feitas on-line: dali sairá, além da nota, um diagnóstico individual dos pontos altos e baixos do aluno, acompanhado de recomendações sobre textos, vídeos e exercícios para suprir as lacunas caso a caso.
Pode-se pensar, a essa altura, que o velho mestre perderá o emprego para as máquinas, mas não. O que elas farão com intensidade crescente é impor ao professor um ajuste aos novos tempos: ele terá de ensinar não só a classe, como também o próprio sistema. “Os professores precisarão aprender a supervisionar a inteligência das máquinas, fazendo adaptações caso elas estejam limitando o aprendizado no lugar de estimulá-lo, por exemplo”, diz Alcely Strutz, da área de educação da IBM no Brasil. Cabe ainda aos docentes desta era digital utilizar o computador naquilo que ele já se provou útil (porém nunca milagroso, é bom lembrar): colocar as crianças para trabalhar em colaboração umas com as outras e lhes dar o caminho das pedras para o conteúdo de alto nível. Tudo serve de combustível para a aula.
Um nicho em alta no setor educacional trabalha justamente com o propósito de criar plataformas digitais cada vez mais inteligentes. A matéria-prima desses sistemas é o valioso conhecimento acumulado com base em milhões de dados sobre como o aluno aprende. Os grandes, como edX e Coursera — que permitem acesso on-line gratuito às lições dos melhores professores do mundo —, processam as informações e fazem uso delas para aprimorar as aulas. Em escala, isso pode representar um salto na educação. Outras empresas investem em tutoria digital, usando a inteligência da máquina para indicar conteúdos, propor testes, corrigi-los e dar aos alunos um retorno compreensível.
No Brasil, cerca de 20 000 escolas das redes pública e particular estão se beneficiando de um programa, o Letrus, que consegue depreender de uma redação erros de gramática, riqueza de vocabulário e até capacidade de coesão. A celeridade dada à correção é boa para o aprendizado — evita que se formem nós que, mais tarde, serão difíceis de desatar. “O futuro próximo do ensino será completamente personalizado e mais efetivo”, avalia a americana Emily Sands, do Coursera.
A ideia de criar sistemas inteligentes para alavancar a educação é antiga. Nos anos 1960, o psicólogo americano Burrhus Skinner (1904-1990) inventou um aparelho em que as perguntas subiam de nível conforme a pessoa cravava acertos — muito distante da engenharia envolvida nos modelos atuais. Uma década depois, o doutor em matemática Seymour Papert (1928-2016), do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), elaborou outro sistema bem mais avançado, em que o aluno fazia sua trilha no computador entre uma infinidade de opções. Esbarrou em um problema: o professor era relegado ao papel de coadjuvante. Mas Papert foi visionário. Previu, acertadamente, que uma revolução no ensino ocorreria quando a máquina aprendesse por si mesma.
Com tanta pesquisa na área, muito ainda está por vir. “A tendência é que o computador seja capaz de entender se um aluno aprende melhor lendo ou jogando, se rende mais à noite ou de dia, de modo que o sistema se adapte a ele e otimize o tempo”, prevê Marcello Vannini, diretor de tecnologia do grupo Objetivo. A ciência aponta para um momento não tão longínquo em que as máquinas entenderão melhor a personalidade de quem está à frente da tela, outra informação útil à customização do ensino. A leitura de expressões já é realidade em salas de aula da China, onde há a maior concentração de engenheiros especializados em IA do mundo. Em uma escola de ensino médio da cidade de Hangzou, o rosto dos alunos é monitorado a cada trinta segundos em busca de manifestações de entusiasmo, dúvida, tédio. A máquina, aliás, entrega quem está divagando ou cochilando. Os desatentos que se cuidem.
Publicado em VEJA de 17 de outubro de 2018, edição nº 2604