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Chega de palmadas

Em documento que compila diversos estudos científicos, a Academia Americana de Pediatria condena os castigos físicos e a agressão verbal impostos a crianças

Por Giulia Vidale Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 16 nov 2018, 07h00 - Publicado em 16 nov 2018, 07h00

“Pais, cuidadores e adultos, ao interagir com crianças e adolescentes, não devem usar a punição corporal (incluindo bater e espancar) como castigo ou consequência de mau comportamento nem estratégia disciplinar alguma, inclusive abuso verbal, que cause vergonha ou humilhação.” A orientação lhe soou demasiado óbvia, antiga, repetitiva? Por mais assombroso que possa parecer, em pleno século XXI ela é tudo isso, sim, mas é também obrigatória. Por isso está presente em um documento elaborado pela prestigiosa Academia Americana de Pediatria, que será publicado na edição de dezembro da revista Pediatrics. Trata-se de uma atua­lização do que a entidade dizia há vinte anos, quando apenas recomendava que os pais, cuidadores e adultos fossem encorajados a não bater nos pequenos. É a primeira vez que a instituição condena enfaticamente tal comportamento. Não é para menos. Em 2013, 67% dos pais americanos admitiam bater nos filhos, segundo a Harris Insights & Analytics, uma empresa de pesquisa de mercado. O.k., em 1995 eram 80%, mas o porcentual de cinco anos atrás, o mais recente da Harris, é ainda vergonhoso. Pior: não há nos EUA nada como a Lei Menino Bernardo, a “lei da palmada”, aprovada no Brasil em 2014 para coibir o uso de castigos físicos na educação. Apesar dela, porém, os números aqui são infames. Um relatório deste ano da Fundação Abrinq, baseado no Disque 100, do Ministério de Direitos Humanos, mostrou que o país tem 396 denúncias diárias de maus-tratos a crianças e adolescentes: 71,3% por negligência, 44,5% devido a agressão psicológica e 42,1% por violência física.

A importância do novo documento da Academia Americana de Pediatria se deve — para além da emergência moral e até, digamos, “policial” — às evidências científicas dos últimos anos que a instituição compila com o objetivo de abominar, de uma vez por todas, o uso de violência contra crianças. O emprego da força, esclarece a entidade, não só é ineficaz a longo prazo como pode comprometer o comportamento e a saúde dos pequenos.

A palmada, por exemplo, aumenta a agressividade e o sentimento de raiva na criança. Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade do Estado de Nova York com 2 400 crianças revelou que aquelas que apanharam mais de duas vezes por mês aos 3 anos eram mais agressivas aos 5 anos. Os pequenos que tenham sido agredidos também tendem a recorrer à violência para resolver conflitos com colegas e irmãos e demonstram maior probabilidade de adotar a mesma conduta com seus filhos no futuro. A agressão verbal é tão nociva quanto a física. A dor e o medo causados por tapas ou xingamentos aumentam os níveis de cortisol no sangue. Altos níveis da substância têm sido associados ao stress tóxico, condição que pode causar perda de neurônios e conexões em regiões associadas à memória, ao humor e à aprendizagem e alterações na conformação cerebral. Já um estudo da Universidade Harvard mostrou que crianças que apanham regularmente apresentam menos matéria cinzenta — substância-chave para o autocontrole — em regiões do córtex pré-frontal associadas a depressão e comportamento suicida. Elas também apresentam menor desempenho em testes de Q.I. Outra análise, publicada na revista Child Development e realizada pelas universidades de Petersburgo e Michigan, concluiu que crianças que sofreram agressões verbais tinham mais problemas de comportamento e sintomas depressivos aos 14 anos.

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Diz Evelyn Eisenstein, médica que atua na Sociedade Brasileira de Pediatria: “Um tapinha em uma criança é uma violência de um adulto que não aprendeu a educar e conversar. Essa atitude é fruto de descontrole e tem efeitos duradouros naquele menor que foi agredido”. A fim de contribuir para o “controle” dos adultos, a Academia Americana de Pediatria relaciona em seu documento as chamadas “estratégias positivas e eficazes de disciplina”, que incluem o uso de distrações, a determinação de limites e o diálogo no trato com os pequenos (veja o quadro acima). São orientações que podem soar óbvias, antigas, repetitivas, entretanto, por tudo o que a instituição demonstra, estão longe de ser dispensáveis — infelizmente. Ao ser anunciado como candidato do PSL ao Planalto, em julho, o agora presidente eleito Jair Bolsonaro prometeu revogar a Lei Menino Bernardo. Cinquenta e três nações têm legislação contra punições físicas a crianças e adolescentes.

Publicado em VEJA de 21 de novembro de 2018, edição nº 2609

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