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As trilhas que socorrem os sem-letra

Professores pouco preparados e uma metodologia ruim colaboram para o índice de evasão que chega a 70% nos cursos de alfabetização de adultos

Por Branca Nunes
7 abr 2014, 14h36
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  • Em 2012, uma pesquisa realizada pela Ação Educativa constatou que 38% dos universitários são analfabetos funcionais

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    Aprender a juntar consoantes e vogais está longe de ser o maior obstáculo enfrentado por jovens e adultos que decidem escapar do analfabetismo. Com uma jornada de trabalho que quase sempre ultrapassa nove horas diárias e outras quatro desperdiçadas em transportes públicos superlotados, falta disposição para mais três dentro de uma sala de aula em cursos que normalmente acabam depois das 22h.

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    Professores pouco preparados e uma metodologia que frequentemente se limita a reproduzir a fórmula usada nos ensinos fundamental e médio também colaboram para o índice de evasão que chega a 70%. Ou seja: de dez alunos com mais de 18 anos que se matriculam em uma escola, apenas três aprenderão a ler uma palavra.

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    “Hoje, tudo depende do heroísmo do cidadão”, resume Roberto Catelli Jr., coordenador da Unidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA) da Ong Ação Educativa. “Existe uma pressão grande da sociedade para a alfabetização de crianças e jovens, mas quase nenhuma com relação à de adultos. Não há, por exemplo, uma campanha do governo estimulando aqueles com mais de 18 anos a voltarem a estudar”.

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    Priscila Cruz, diretora-executiva da Ong Todos pela Educação, atribui essa falta de empenho a uma opção – cruel – do poder público. “Gerir é fazer escolhas”, diz. “Como não existe dinheiro suficiente para tudo, os governantes escolhem fechar a torneira do analfabetismo. Embora a Constituição garanta que a educação é um direito de todos, o ensino é obrigatório apenas para quem tem entre 4 e 17 anos”.

    O argumento poderia até parecer consistente caso a educação de crianças e jovens também não estivesse à beira do colapso. Segundo o Censo 2010, 54,5 milhões de brasileiros com mais de 25 anos não têm o ensino fundamental completo. Em 2012, uma pesquisa realizada pela Ação Educativa constatou que 38% dos universitários são analfabetos funcionais.

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    Apesar dos dados estarrecedores, o Ministério da Educação (MEC) festeja os resultados. Embora a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) tenha registrado que a taxa de analfabetismo da população com mais de 15 anos passou de 8,6, em 2011, para 8,7, em 2012, Macaé Evarismo, secretária de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do MEC, tenta amenizar a descoberta. “O analfabetismo só cresceu na faixa etária entre 40 e 59 anos e, como foi um aumento muito pequeno, ainda não podemos dizer se é uma tendência ou uma questão de amostragem”, alega. “O mais importante é que foi registrada uma queda nas taxas de analfabetismo funcional e há um aumento da alfabetização na chamada idade certa”.

    De acordo com Macaé, o Brasil Alfabetizado, programa federal de alfabetização de jovens e adultos, abrange os 26 estados, mas alcança apenas 959 dos 5.570 municípios brasileiros. E beneficiou, entre 2008 e 2012, 6,7 milhões cidadãos – o que representou um investimento de R$ 1,4 bilhão. O ministério não soube precisar, entretanto, qual o índice de evasão, quantas salas de aula do Brasil Alfabetizado existem no país e em quais horários funcionam, quantos professores estão ligados ao programa e como são preparados.

    É surpreendente também a inexistência de um controle sobre os demais cursos de alfabetização de jovens e adultos existentes no país. O MEC não sabe quais são esses cursos, onde estão localizados, quantos alunos atendem ou qual é a metodologia empregada.

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    “Os governos criam programas apenas para dizer que estão fazendo alguma coisa, mas a maioria é incipiente”, critica Carlos Alberto Daniel dos Santos, o “Tiziu”, coordenador pedagógico do programa de alfabetização de jovens e adultos do Núcleo de Trabalhos Comunitários da PUC-SP. “É preciso incentivar aqueles que não estão na sala de aula a voltarem a estudar organizando campanhas que divulguem os benefícios da alfabetização para adultos. Além de oferecer educação de qualidade perto dos locais de moradia e criar condições para que este aluno permaneça na sala de aula conscientizando, por exemplo, as empresas sobre os benefícios de terem funcionários que voltaram estudar”.

    Sumika Soares de Freitas Hernandez-Piloto, membro do comitê diretivo do Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (Mieib), explica que o processo de alfabetização inicia antes mesmo do aprendizado formal da escrita, quando a criança começa a fazer o reconhecimento visual dos objetos. A interrupção dessa evolução prejudica justamente essa leitura do mundo. “A educação na infância é importante para a apropriação do conhecimento e para a formação de indivíduos críticos, que sejam capazes de analisar o ambiente sóciocultural em que vivem”, afirma Sumika.

    “Os processos cognitivos se desenvolvem em determinadas fases da vida”, afirma Ana Lucia Lima, diretora executiva do Instituto Paulo Montenegro. “Quando alguém apresenta um fraco domínio da leitura, da escrita e da matemática, essa pessoa invariavelmente teve uma trajetória escolar não regular, com repetência ou alfabetização fora da idade certa, e os pais têm baixa escolaridade”.

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    Entre os programas oficiais de alfabetização de jovens e adultos mencionados como pontos de referência destacam-se o Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (MOVA), criado por Paulo Freire durante a gestão de Luiza Erundina à frente da prefeitura de São Paulo, e o Alfabetização Solidária, fundado em 1996 por Ruth Cardoso no governo de Fernando Henrique. Com a eleição de Lula, o Alfabetização Solidária foi abandonado, mas sobreviveu com o nome AlfaSol graças a parcerias com a iniciativa privada.

    Uma das maiores contribuições do MOVA foi transformar o aluno em sujeito do processo de alfabetização. “A técnica para se alfabetizar uma criança não é a mesma usada para educar um adulto”, explica Maristela Miranda Bárbara, diretora do AlfaSol. “A criança está centrada no seu papel de estudante. O adulto tem outros conhecimentos. Ele já desenvolveu estratégias para sobreviver nesse mundo e precisa dividir o tempo com o trabalho e a família. Um dos papeis do educador é convencê-lo de que vale a pena estar ali”.

    Para Maristela, mais do que programas, o que falta ao Brasil é “uma política pública efetiva de alfabetização de jovens e adultos”. Ao ser rebatizado, o AlfaSol passou a investir não só na alfabetização, mas na continuidade do processo de aprendizado.

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    “Quando não há essa continuidade o adulto acaba esquecendo o que aprendeu, já que muitas vezes não precisa usar esse conhecimento no seu trabalho, no seu dia a dia”, explica Maria do Pillar Lacerda, diretora da Fundação SM e ex-secretária de educação básica do Ministério da Educação (MEC). “É preciso investir na construção de um sujeito letrado”.

    Essa construção depende de uma educação de qualidade em todas as fases da vida, já que a alfabetização de crianças, jovens e adultos está interligada. “Não vamos melhorar os índices de educação das crianças se não alfabetizarmos os pais”, observa Maristela. Priscila Cruz, do Todos Pela Educação, completa: “Boa parte do desempenho escolar dos filhos depende disso. Quanto mais alta é a escolaridade da família, maior é a chance dessa criança estudar”.

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