Nasci e vivi boa parte da vida em Ubá, uma cidade no interior de Minas Gerais, em um conjunto habitacional modesto. Minha mãe era faxineira de uma escola estadual, e meu pai, tipógrafo. Ela veio de família italiana e ele tinha origens indígenas. Eu brinco que tem um pouco de Brasil na minha família, com uma certa miscigenação, mas não só por isso: meu contexto era de uma mobilidade social muito restrita, o que é comum em nosso país. Meus pais nunca estudaram, mas, desde pequenos, eu e meus irmãos ouvíamos que a vida poderia mudar se a gente estudasse. Foi o que aconteceu: eu me tornei presidente do Insper e eles também fizeram carreira em cargos diretivos em instituições de ensino superior. Tudo isso graças aos nossos pais, que lutaram muito por nós.
Quando eu tinha 10 anos, minha mãe bateu na porta de uma escola particular da cidade e conseguiu uma bolsa para mim. “Você não vai se arrepender”, ela falou ao tesoureiro. Espero que ele não tenha mesmo se arrependido. Foi lá onde estudei a vida toda e tomei gosto pelos livros. Na época do vestibular, meus irmãos, que são mais velhos, assinaram a muito custo um jornal para que eu pudesse me atualizar. Mas havia um problema: a distribuidora não entregava na Cohab. Combinei então com meu vizinho, que trabalhava na distribuidora, para me entregar o jornal depois do expediente. Eu lia as notícias velhas, mas isso foi fundamental para que eu passasse na Universidade Federal de Viçosa.
Foi a maior alegria da minha vida, mas logo a realidade se impôs novamente: eu teria que mudar de cidade. Como iria me bancar? Eu fazia alguns bicos, morava na residência estudantil do campus e fazia as refeições no restaurante universitário, sem custos. Não fosse esse apoio, seria impossível me formar, o que eu consegui. Após me graduar em administração, trabalhei um pouco em boas empresas privadas, mas a minha vida só mudaria realmente se eu continuasse estudando, como dizia a minha mãe.
Decidi então fazer mestrado na Fundação Getulio Vargas. Fui aprovado em exame e tinha de passar por uma entrevista em São Paulo. Novamente, uma dificuldade: como eu iria para uma cidade que até então desconhecia? Foi uma saga de ônibus, com dezoito horas de viagem para ter uma conversa que duraria quinze minutos. Lembro como se fosse hoje: um dos professores da banca avaliadora me perguntou se valia a pena todo aquele esforço. Eu respondi que faria aquilo quantas vezes fosse preciso porque aqueles quinze minutos poderiam mudar a minha vida. E realmente mudaram. Fui aprovado, emendei um intercâmbio nos Estados Unidos e um doutorado também na FGV. Hoje, sou presidente de uma das principais instituições de ensino do Brasil, o Insper, e tenho muito orgulho disso. O Insper, veja só, promove a transformação por meio da educação.
Mas temos muito a melhorar. Quero dobrar o número de bolsistas do Insper, tanto integrais quanto parciais. Hoje, 10% de nossos alunos são bolsistas. Na foto, parece pouco, mas no filme é um número crescente. Eles recebem auxílios que vão além da isenção da mensalidade, como moradia e ajuda de custo, além de atendimento psicológico e bolsas culturais. Ampliamos o número de capitais em que aplicamos a prova própria da bolsa, para facilitar o acesso. Em Salvador, notamos um grande percentual de pessoas de baixa renda, pretas, com média de Enem compatível com a exigência mínima do Insper. Então, há a intenção de buscar mais alunos de alto desempenho e baixa renda. Muita gente acha que aluno bolsista é menos preparado do que um mensalista, mas isso é mentira. O desempenho médio de nosso aluno bolsista é superior ao do não bolsista. E isso, para mim, é um sinal de que há espaço para investir ainda mais nesse processo.
Guilherme Martins em depoimento dado a Pedro Gil
Publicado em VEJA de 26 de janeiro de 2024, edição nº 2877