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Uma boa lição: Inteli foca no ensino de tecnologia no Brasil

Com bolsas para mais da metade dos alunos, faculdade em SP conecta estudantes ao mercado. Objetivo é formar profissionais qualificados no mercado local

Por Diogo Schelp Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 3 jun 2024, 16h39 - Publicado em 31 Maio 2024, 06h00
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  • Roberto Sallouti, presidente do banco BTG, conta que uns seis anos atrás, durante uma viagem ao Vale do Silício, nos Estados Unidos, perguntou a um dos maiores investidores de venture capital do mundo a razão pela qual ele não colocava seu dinheiro no Brasil. “Vocês não formam profissionais de tecnologia suficientes”, foi a resposta certeira de quem conhece as condições básicas para o surgimento de startups de sucesso. Esse duro diagnóstico motivou Sallouti e André Esteves, principal acionista do banco, a criar o que eles esperam que venha a ser a melhor faculdade de tecnologia da América Latina, focada em formar craques digitais com visão de negócios e habilidades de liderança.

    Alunos trabalham em soluções para o mercado: aprendizado baseado em projetos
    Alunos trabalham em soluções para o mercado: aprendizado baseado em projetos (Felipe Cohen/Divulgação)

    O Instituto de Tecnologia e Liderança (Inteli) nasceu de uma doação de 200 milhões de reais do casal Lilian e André Esteves e instalou-se no galpão de um antigo laboratório de metalurgia do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), dentro do campus da USP. Está sob o guarda-chuva do IPT Open, um programa criado pelo governo do estado de São Paulo para integrar ciência e prática empresarial.

    Escadaria no saguão serve também para assistir a eventos no telão: antigo galpão do IPT
    Escadaria no saguão serve também para assistir a eventos no telão: antigo galpão do IPT (Felipe Cohen/Divulgação)

    Após cruzar a cancela para carros que dá acesso ao Inteli, avista-se logo à esquerda a sede do Sindicato dos Trabalhadores em Pesquisa, Ciência e Tecnologia (SINTPq), filiado à CUT. Seus dirigentes torceram o nariz quando o Inteli reformou e ocupou os dois prédios ao lado, em 2021. Viam na novidade uma “exploração comercial” da educação para setores privilegiados da sociedade. Mas o que se percebe conversando com os alunos da instituição, que não tem fins lucrativos, é algo bem diferente.

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    Mais da metade deles estuda ali com bolsa integral, ou seja, sem pagar nada. É o caso de Keylla Cristina Oliveira Bispo, de 19 anos, que descobriu sua veia tecnológica e seu gosto por negócios trabalhando no RH de uma empresa, dois anos atrás, e decidiu deixar de lado os planos de estudar moda e foi cursar sistemas de informação no Inteli. Bolsas como a de Keylla são custeadas por filantropos e empresas, que podem inclusive escolher o perfil dos estudantes que querem priorizar. Muitos ganham até notebook, alimentação e moradia de graça em um alojamento estudantil próximo à Cidade Universitária.

    SAIU DA MODA - Com espírito empreendedor, Keylla, 19, trocou a ideia de ser estilista por uma bolsa integral em sistemas de informação no Inteli
    SAIU DA MODA – Com espírito empreendedor, Keylla, 19, trocou a ideia de ser estilista por uma bolsa integral em sistemas de informação no Inteli (Felipe Cohen/Divulgação)

    A seleção dos alunos, aliás, é uma inovação à parte. Em vez do tradicional vestibular, os candidatos cumprem três etapas de avaliação. A primeira é uma prova de lógica e de matemática. Na segunda, escrevem duas redações: uma sobre sua história de vida e a segunda sobre suas realizações e ambições. Na terceira etapa, há uma dinâmica de grupo, em que se procura avaliar a capacidade de comunicação e colaboração de cada pretendente ao curso.

    PARA QUE ESPERAR? - Fábio, 24, do segundo ano de ciência da computação, já está empreendendo com um colega
    PARA QUE ESPERAR? – Fábio, 24, do segundo ano de ciência da computação, já está empreendendo com um colega (./Divulgação)
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    Cada vaga nos quatro cursos do Inteli (engenharia da computação, engenharia de software, ciência da computação e sistemas de informação) é disputada por 9,8 candidatos, em média. “A gente busca a excelência, o que explica o processo seletivo baseado no mérito. A distribuição das bolsas se dá em uma etapa seguinte, de acordo com as necessidades dos alunos e com os critérios definidos pelos doadores”, afirma Maíra Habimorad, CEO do Inteli.

    O currículo é o mesmo para todos no primeiro ano, o que permite que os alunos troquem de curso no ano seguinte. Não há grade curricular com disciplinas herméticas. Absolutamente, todo o ensino é baseado em desenvolver soluções tecnológicas para problemas reais de empresas, instituições públicas e ONGs. Esse método, conhecido como Aprendizagem Baseada em Projetos, vem sendo aplicado com cada vez mais frequência mundo afora e também em universidades no Brasil. Geralmente, porém, como complemento do currículo tradicional. Ou seja, os projetos servem para ilustrar ou dar sentido prático ao conteúdo passado pelos professores. No Inteli, é o contrário. Os projetos vêm antes do conteúdo, o que significa que eles são pensados de antemão para estar conectados com as diretrizes curriculares do MEC e com o desenvolvimento de competências exigidas pelo mercado, como liderança e comunicação. A inspiração foi o Olin College, vizinho e concorrente do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos.

    Inteli

    Quatro vezes por ano, as turmas do Inteli oferecem projetos ao mercado. Os estudantes são divididos em cinco grupos que desenvolvem, cada um, a sua solução para o problema trazido pela organização parceira. Assim, para ficar em quatro exemplos dos mais de 300 projetos já concluídos: para a Vivo, de telecomunicações, os alunos trabalharam para reduzir o tempo de resposta de consultas a uma base de dados de um aplicativo; para a mineradora Vale, desenvolveram um algoritmo de alta performance que planeja a distribuição de minério de ferro, considerando restrições logísticas; para a rede social Meta, fizeram um game que orienta os funcionários sobre a jornada de contratação de um fornecedor; e, para a AACD, criaram um tapete sensorial que ajuda a elaborar atividades lúdicas para crianças com deficiências físicas ou motoras.

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    Antes do resultado final, há momentos em que os alunos recebem representantes da organização parceira para apresentar o que já foi feito e obter o retorno para seguir em frente. Esse contato periódico com profissionais do mercado contribui para os alunos se aclimatarem ao mundo corporativo e dos negócios. O efeito é evidente quando se observam a segurança e o entusiasmo com que eles falam dos projetos que estão desenvolvendo e de seus planos para o futuro.

    arte Inteli

    Fábio Piemonte, de 24 anos, por exemplo, largou um curso de administração em outra faculdade para cursar ciência da computação no Inteli porque havia fundado uma startup com amigos e percebeu que lhe faltava conhecimento técnico. Está apenas no segundo ano do curso e já começou a empreender novamente. Com um colega, criou um aplicativo que ajuda médicos a fazer a gestão de seus plantões e suas finanças. Fábio antecipou uma escolha que os alunos do Inteli precisam fazer no quarto e último ano: se vão trilhar uma carreira acadêmica, empreendedora ou corporativa. Uma das opções é recorrer ao OpenTech, incubadora de startups do IPT, na qual, conforme explica Mari Tomita Katayama, coordenadora do IPT Open, “os alunos de quarto ano que optarem pela trilha de empreendedorismo no programa de Aceleração de Carreira do Inteli poderão encontrar um ambiente ideal para o desenvolvimento de novas ideias e negócios inovadores”.

    André Esteves (à esq.) e Roberto Sallouti: ambição de fazer a melhor faculdade de tecnologia
    André Esteves (à esq.) e Roberto Sallouti: ambição de fazer a melhor faculdade de tecnologia (Suamy Beydoun/AGIF/AFP; Ana Aquino/Divulgação)
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    Antes disso, no terceiro ano, quando a carga horária deixa de ser integral, eles fazem estágio em uma das 35 empresas parceiras do instituto. “O feedback das empresas em relação aos estagiários é muito positivo”, afirma Sallouti. “Elas dizem que nossos alunos são preparados tecnicamente e possuem os soft skills necessários para se integrar com fluidez ao ambiente e ao jogo corporativo.” O CEO do BTG também preside o conselho de gestão do Inteli e é chamado de boss nas reuniões virtuais quinzenais com funcionários da faculdade. No fim do ano que vem, forma-se a primeira turma do Inteli — e é também quando a instituição espera alcançar o equilíbrio financeiro. Uma vez por mês, Sallouti vai pessoalmente ao campus. “Para mim, é o melhor dia.”

    Publicado em VEJA, maio de 2024, edição VEJA Negócios nº 2

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