Voltar ou não voltar a trabalhar no escritório? Eis uma questão que movimenta o mundo empresarial agora que as infecções por Covid-19 têm diminuído e o índice de vacinação cresce na maior parte dos países. Nos Estados Unidos, o Google anunciou que até setembro vai desmobilizar o sistema de teletrabalho e adotar um modelo considerado híbrido. O que parecia ser um retorno ao velho normal — ou seja, à sede da empresa — ganhou ares de resistência, com alguns funcionários se recusando a encarar a antiga rotina. Em casos extremos, há quem prefira a demissão. O movimento é observado em diversos países e põe em xeque a intransigência de empresas que exigem dos profissionais que trabalhem como antes.
A Alphabet, controladora do Google, encerrou o primeiro trimestre com 140 000 funcionários diretos. O CEO Sundar Pichai explicou em comunicado interno como pretende conduzir a transição para um modelo híbrido. Ele espera que cerca de 60% da equipe trabalhe no escritório “alguns dias por semana”. Outros 20% poderão se mudar para instalações da empresa mais perto de suas casas. A quinta parte restante poderá se candidatar a trabalhar em casa em tempo integral.
Uma pesquisa realizada recentemente pela consultoria Morning Consult confirma a tendência entre os americanos: 87% dos entrevistados que adotaram o teletrabalho durante a pandemia desejam continuar no regime pelo menos uma vez por semana. Alguns executivos, no entanto, não querem nem ouvir falar em propostas desse tipo e permanecem fiéis aos velhos modelos. David Solomon, CEO da Goldman Sachs, chamou o home office de “aberração que vamos corrigir o mais rápido possível”, embora o banco tenha registrado 7 bilhões de dólares em lucros no primeiro trimestre de 2021.
No Brasil, uma pesquisa feita em março pela Fundação Dom Cabral (FDC) em parceria com a EM Lyon Business School e a consultoria Grant Thornton mostra que o modelo híbrido adotado por um número de empresas tem se revelado como a melhor solução. A percepção geral é de que a produtividade no home office aumentou, embora as preocupações com a carga de trabalho, a deterioração das relações pessoais e a perda do convívio ainda tenham peso grande.
Diversas razões explicam o desejo dos profissionais de continuar em casa. A primeira delas é o maior convívio familiar. Quem, afinal, não gosta de almoçar com os filhos em pleno dia útil? Outro motivo destacado nas pesquisas é a possibilidade de ficar livre do trânsito infernal das grandes cidades. Para as empresas, o que interessa mesmo é outro aspecto: no lar, por mais surpreendente que possa parecer, as pessoas são mais produtivas.
O estudo da Dom Cabral indica isso: 58% dos pesquisados acreditam que sua produtividade aumentou e encaram o trabalho remoto como uma vantagem. Na edição anterior da pesquisa, em 2020, o índice ficou em 44%. “Os funcionários que podem trabalhar de casa descobriram novos princípios e valores para a vida deles”, diz Fabian Salum, um dos autores da pesquisa. “Como consequência, muitos deles estão ansiosos, aflitos e curiosos para saber se essa condição se manterá depois que a taxa de vacinação no país atingir o patamar de 70%, quando será possível flexibilizar as regras de distanciamento social.”
A pesquisa da FDC mostra ainda que a maior parte dos funcionários concordou com a conversão para o teletrabalho durante a pandemia. Por experiência própria, em conselhos de empresas ou em sala de aula, Salum diz que há organizações que são contrárias ao home office e empresas que são favoráveis ao regime. Quando houver uma flexibilização das regras sanitárias, como ocorre nos EUA e na Europa, será necessário abrir um diálogo. “A minha aposta é que vingarão os modelos híbridos, mais flexíveis e adequados tanto às empresas quanto aos profissionais”, conclui ele. Seja como for, ao que tudo indica o mundo do trabalho mudou para sempre.
Publicado em VEJA de 16 de junho de 2021, edição nº 2742