O setor empresarial vê com cautela a contratação de trabalhadores intermitentes, modalidade criada na reforma trabalhista. Desde que as mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) entraram em vigor, em novembro do ano passado, 16.993 vagas foram criadas por esse modelo até abril. Mais de 70% dos postos foram gerados pelos setores de comércio (6.108) e serviços (5.822).
Um dos motivos que atrasam a utilização mais intensa dessa modalidade de contratação é a incerteza jurídica que cerca vários pontos da reforma trabalhista. A regulamentação do trabalho intermitente estava prevista na medida provisória 808, que perdeu validade em abril. “O trabalho intermitente ainda está represado”, avalia Luciana Nunes Freire, diretora executiva da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
O trabalho intermitente permite que as empresas contratem funcionários apenas quando precisarem de seus serviços, sem a obrigação de oferecer jornada fixa ou período mínimo de atividade. A lei caracteriza essa modalidade como prestação não contínua de serviço e o pagamento é feito por horas ou por dias trabalhados.
“Esse é um regime totalmente novo e ainda existem dúvidas sobre alguns temas de caráter social, como, por exemplo, o afastamento do trabalhador em caso de doença”, explica o advogado trabalhista José Carlos Wahle, do escritório Veirano Advogados. Na visão do especialista, o texto original da reforma já permite que as empresas usem o trabalho intermitente sem risco e alguns detalhes podem inclusive ser acordados com o sindicato da categoria ou definidos em um regulamento interno.
As empresas que admitem a utilização do trabalho intermitente ainda dão poucos detalhes sobre a forma de remuneração desses funcionários. O Magazine Luiza informa que já tem cerca de 5.000 intermitentes contratados na sua rede e que pretende reunir um banco de dados com mais de 7.000 nomes para ser chamados para reforçar o time de 23.000 funcionários durante “grandes eventos ou situações pontuais, ganhando pelas horas que trabalham”. Já o Walmart afirmou que as novas modalidades de admissão estão em fase de testes, mas não revelou quantos funcionários já foram contratados dessa forma.
Também ainda é difícil encontrar oferta de vaga desse tipo nos grandes sites de emprego. Empresas como Vagas.com e Luandre informaram que ainda não tiveram clientes contratando nessa modalidade. Já a Catho e o Sine não fazem distinção do tipo de contratação nos seus formulários e não mapeiam esses anúncios. No Cate (Centro de Apoio ao Trabalho e Empreendedorismo) não há ofertas, mas a central de vagas mantida pela prefeitura de São Paulo intermediou a contratação de intermitentes para a rede de lojas Caedu.
A empresa resolveu apostar nesse tipo de contrato e admitiu 300 intermitentes para atuar nas vendas do Dia das Mães. Eles vão reforçar o time de vendedores nos fins de semana e na véspera de datas comemorativas, quando o movimento é maior. “A ideia é ter 2.000 funcionários registrados desse tipo até o final do ano”, afirma o diretor de RH, Gil Cohen. A empresa informou que o salário será equivalente ao de quem trabalha na mesma função, mas é contratado de forma tradicional. “O intermitente surge como uma solução para o varejo. Não tenho condições de sustentar esse quadro de funcionários ao longo do ano inteiro. Entendemos a lei e estamos usando”, afirma Cohen.
Sócio de uma choperia na Zona Sul da capital paulista, Valter Sanches viu no contrato intermitente uma possibilidade de aumentar o seu quadro de funcionários, que teve cortes ao longo do ano passado por causa da crise. Ele contratou dois estudantes como auxiliares de cozinha. Eles trabalham de segunda a sábado durante algumas horas do dia, antes de o bar abrir. O salário por hora é equivalente ao piso da categoria. A ideia é contratar ainda no próximo mês mais três garçons para trabalhar de quinta a sábado, quando o movimento é maior. “Estamos começando a entender melhor esse sistema. Ele cria uma espécie de ‘extra fixo’, que já está acostumando com a rotina da casa”, afirma.
“Toda alteração na lei gera certa insegurança jurídica e isso foi aumentado pela medida provisória 808”, diz Percival Maricato, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes em São Paulo. A contratação de extras informais é comum no setor e gera mais riscos para o empresário do que a formalização como intermitente, avalia. Para ele, a adaptação às novas regras é só uma questão de tempo.
Na indústria, a adesão ao contrato intermitente acontece de forma ainda mais lenta, avalia Luciana Nunes Freire, da Fiesp. A razão, segundo ela, é a própria medida provisória. “Ela trouxe algumas modificações e burocratizou a aplicação do trabalho intermitente. Agora a tendência é que essas contratações aumentem”, afirma. Ainda há a expectativa de que o governo publique um decreto para ajustar o texto, mas ele “só poderá regulamentar o que já está na lei”, diz Luciana.
Do lado dos trabalhadores, o presidente do sindicato dos comerciários de São Paulo, Ricardo Patah, acredita que, mesmo o detalhamento das regras para contratação dos intermitentes, trazido na medida provisória que perdeu a validade, não era suficiente para deixar o empregado protegido nessa modalidade e vê o risco de precarização do trabalho caso alguns pontos não sejam regulamentados.
Uma das críticas ao trabalho intermitente é a falta de previsibilidade sobre o ganho médio mensal. A lei determina apenas que as empresas paguem ao menos o valor da hora do salário mínimo (4,34 reais por hora). Na rede Cinemark, os intermitentes são contratados para trabalhar oito horas diárias, quatro dias por semana. Por essa jornada de 32 horas, recebem cerca de 600 reais mensais.
“Não há condições de uma pessoa que sustenta uma família trabalhar dessa forma e receber menos de um salário mínimo por mês”, avalia Patah. Procurada, a rede Cinemark informou que “não promoveu nenhum tipo de alteração em seus contratos devido à reforma trabalhista implantada em 2017”.
Por essa razão, Patah acredita que o trabalho intermitente deve ser focado para o jovem em busca do primeiro emprego e para os aposentados que querem complementar a renda e limitado a 10% do quadro geral de trabalhadores da empresa. Segundo os dados do Caged, 1.636 trabalhadores contratados como intermitentes em março tinham entre 30 e 39 anos e outros 1.272 tinham até 29 anos. Apenas 291 tinham 50 anos ou mais.
Outras modalidades
O teletrabalho, também conhecido como home office, foi regulamentado pela reforma trabalhista, mas, na prática, já era adotado por diversas empresas, formal ou informalmente. Agora, a modalidade precisa ser especificada no contrato firmado entre empresa e funcionário, que também deve demonstrar quem é o responsável pelos custos com materiais e infraestrutura necessária, como internet, telefone e computador.
O Ministério do Trabalho não divulga os dados sobre o teletrabalho, mas a tendência é que, com a regulamentação, mais empresas invistam nesse tipo de contratação para reduzir custos com infraestrutura e deslocamento de funcionários.
Para a Involves, empresa catarinense de desenvolvimento de softwares, a reforma significou a formalização de política de home office para os 150 funcionários da empresa que já era adotada informalmente. Agora, o colaborador pode trabalhar até oito horas em casa a cada quinze dias. “Ele escolhe se quer ficar um dia inteiro, e usar as oito horas de uma vez, ou duas manhãs”, explica a analista administrativa da companhia, Manoella Mess. O funcionário leva o computador profissional para casa e realiza suas atividades normalmente, mas não há o controle da jornada. “Se terminar as tarefas em sete horas ou em nove horas, serão contabilizadas oito”, diz a representante da empresa.
A reforma excluiu o controle de jornada do teletrabalho. Ou seja, o empregado que prestar os serviços de casa pode ficar sem hora extra. Esse e outros pontos ainda precisam ser debatidos e acordados entre empresas e sindicatos, pois não foram esclarecidos na legislação, afirma Antonio Neto, presidente da federação dos trabalhadores em tecnologia da informação (FEITTINF). “Também não ficou claro como vai ser tratado o acidente de trabalho nesses casos”, afirma.
“A reforma trouxe um avanço jurídico para o teletrabalho”, avalia o advogado trabalhista José Carlos Wahle. Mas, para se adaptarem à modalidade contratual, as empresas terão que instituir uma política de segurança no trabalho e estabelecer regras de uso de equipamentos e privacidade, diz o especialista.
A jornada parcial já existia antes da reforma e foi ampliada de 25 horas para até trinta horas semanais ou 26 horas com até seis horas extras. A mudança, que já era esperada, não mudou a percepção do empresário sobre essa contratação, diz Wahle. “Apesar de ser menor, o custo para o empregador ainda é alto e o contrato fica restrito a setores específicos”, afirma.
Na prática, o saldo de empregados parciais de novembro a março era de 6.984 trabalhadores, concentrado majoritariamente no setor de serviços, segundo dados do Caged. Antes da reforma, o número de admitidos e demitidos nesse tipo de contrato não era divulgado pelo Ministério do Trabalho.