Resultado de gastos com cartões de créditos, financiamentos, empréstimos, ou do uso do cheque especial, 61,4 milhões de brasileiros estão endividados e com alguma conta em atraso, segundo a consultoria Serasa Experian. Mais chocante é o número de consumidores que estão superendividados, ou seja, que não possuem mais condições financeiras de pagar suas dívidas. De acordo com o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), o total de brasileiros nessa situação é de aproximadamente 30 milhões. Isso quer dizer que quase 15% da população se encontra em uma bola de neve financeira.
O superendividamento acontece quando o consumidor contrata dívidas que superam sua renda e seu patrimônio. Isso impede que ele consiga sair dessa situação. Quer dizer, dificulta, na visão dos especialistas. Porque a saída é possível, dizem.
Com juros bancários estratosféricos, não é possível sair da situação sem uma renegociação com os credores. Até medidas judiciais podem ser tomadas para isso. Um dos instrumentos que estão disponíveis ao cidadão é a Defensoria Pública, que possui um programa especial para atender os superendividados. “As condições que os consumidores são recebidos pelo sistema é um absurdo. Há uma ausência total de regras e leis que protejam os consumidores. O colocam numa situação em que ele ficará permanentemente exposto ao uso do crédito para conseguir honrar suas dívidas”, afirma Ione Amorim, advogada do Idec.
Amorim conta o caso de um consumidor que foi ao Instituto para pedir orientação sobre como renegociar sua dívida. “No ano passado, um consumidor conseguiu pegar 7.200 reais do Fundo de Garantia para pagar a dívida. No entanto, o banco não aceitou porque o saldo era de 9.000 reais. Hoje, ela está em 67 mil reais”, conta.
Esses casos são típicos de um superendividado. Sem conseguir quitar ou amortizar o saldo, os juros começam fazer o débito crescer em progressão geométrica. Esse é o efeito dos juros compostos que recaem sobre qualquer dívida ou investimento no Brasil.
“Pode-se dizer que há uma relação direta entre superendividamento e hiperconsumismo. Por outro lado, não podemos afirmar, ou colocar esse rótulo no sujeito que se encontra superendividado atualmente no Brasil. Em um país que atravessou longo período recessivo e quem tem aproximadamente 13% de sua População Economicamente Ativa desempregada, seria uma injúria dizer que o endividado, hoje, é o sujeito que perdeu o controle do que consome”, explica Paula Sauer, planejadora financeira e professora de economia comportamental da ESPM.
Perfil do negativado
A startup de finanças pessoais Guia Bolso fez um levantamento entre seus clientes que estão com o nome sujo na praça, o famoso negativado. Segundo o aplicativo, quase um terço dos endividados resolveriam seus problemas com 500 reais. E apenas 22,7% devem mais de 5.000 reais. No entanto, apesar de parecerem pequenas as dívidas, o desemprego é avassalador sobre as finanças pessoais.
“As três principais causas: desemprego, inflação e taxa de juros. O desemprego é o mais impactante”, diz Luis Rabi, economista da Serasa Experian. “Estamos em uma tendência de queda, mas ainda nos maiores patamares históricos. Desemprego até está caindo um pouco, houve o saque do PIS/Pasep e a chegada do 13º salário. Talvez isso ajuda a fazer o total de brasileiros endividados diminuir”, afirma Rabi.
Ainda sobre a pesquisa do Guia Bolso, as mulheres são maioria entre a população negativada. Elas são maioria entre quem deve até 500 reais, até mil reais e até 2.000 reais. A partir desse valor, os homens ultrapassam e viram a maioria – principalmente na faixa acima de 5.000 reais.
Quando analisado por faixa etária, percebe-se que as menores dívidas são contraídas por pessoas mais jovens, enquanto que as maiores por pessoas mais velhas. Por exemplo: 40,4% das dívidas não pagas até 500 reais estão concentradas com pessoas de até 17. No extremo oposto, 37,5% das dívidas não pagas acima de 5.000 reais foram contraídas por pessoas acima de 50 anos.
“Quando a gente olha dívidas abaixo de 2.000 reais, a porcentagem de mulheres negativadas é maior do que a dos homens. A lógica se inverte para valores acima disso”, diz Márcio Reis, diretor de dados e pesquisas econômicas do Guia Bolso. Em relação à idade, quanto mais o tempo passa, maior o valor devido. “Dificilmente um jovem com 18 anos assume tantas obrigações quanto alguém na faixa dos 30, já com uma família dependente e planos maiores”, diz.
O mapeamento também mostra que quanto maior a renda, menor a inadimplência. Ao dividir os dados por estados, os mais ricos, como Distrito Federal, São Paulo e Santa Catarina, têm nível de endividamento menor. No Distrito Federal, por exemplo, o porcentual de negativados é 3,5 pontos porcentuais abaixo da média do país. Por outro lado, Acre, Amapá e Roraima estão entre os estados com maior número de negativados.
A pesquisa contou com a participação de 309.831 usuários do aplicativo em todo o Brasil.
O que fazer
Cortar, cortar, cortar! É a primeira coisa a se fazer quando se é um superendividado. O problema que parece exclusivamente pessoal também aflige o sistema financeiro. Afinal, esses 61,4 milhões de pessoas negativadas devem, segundo a Serasa, 268 bilhões de reais. E 28,5% desse total é para bancos e emissores de cartões de crédito. Por isso, o Banco Central criou um guia prático para “Sair do Superendividamento”. As dicas da autoridade monetária são: eliminar por completo o desperdício – em situações de superendividamento, também é prudente cortar despesas não essenciais; aproveitar o 13º salário para quitar dívidas; trocar dívidas por outras com juros menores; adquirir o hábito de comprar à vista; e, se tiver um carro, e ele não for instrumento de trabalho ou essencial para sua vida, não hesitar em vendê-lo.
Paula Sauer dá outras dicas, mais práticas, como um passo a passo. “O primeiro passo é assumir que tem uma dívida maior que a renda disponível e que precisa sair disso. Parar e olhar, fazer um diagnóstico, como tirar uma foto. Pode ser que saia uma foto feia de ver, mas se não encararmos o problema, dificilmente as soluções mais adequadas chegarão até você. Se a família está por perto, deixe claro para todos em que pé está a situação. Todos têm que apertar os cintos. Peça ajuda para colocar as contas em atraso em ordem e por tipo. Nunca jogue fora as contas, faturas, carnês ou contratos de empréstimo. Eles são documentos importantes”, explica.
Depois, diz ele, é preciso organizar as dívidas por taxa de juros e por tipo de garantia (como um carro ou uma casa atrelada ao financiamento). Depois, faça uma relação da dívida com o bem-estar.
“Se o consumidor não consegue entender os contratos, o que está sendo cobrado, ele deve sentar com os profissionais do Procon, do IDEC e de Defensorias Públicas. Ele não pode fazer uma renegociação de dívida, um novo alongamento da dívida, pensando somente no valor da parcela sem entender exatamente o que está pagando, quanto está sendo cobrado, o prazo e se está pagando juros sobre juros”, diz. “A notícia boa é que, com disciplina, dá para sair do buraco. Mudar de comportamento é essencial.”