A família Batista, protagonista da crise mais estrondosa da política brasileira ao gravar o presidente Michel Temer em conversa pouco republicana no Palácio do Jaburu, tem uma nova obsessão: fugir dos holofotes. Os acontecimentos que culminaram na prisão preventiva dos irmãos Joesley e Wesley e o acordo de leniência da holding da família, a J&F, com o Ministério Público Federal despertaram o sentimento de que eles só têm a perder com mais aparições em público. Nas palavras de uma pessoa próxima à família, “caiu a ficha”. Traduzindo: na busca para retomar a normalidade dos negócios e escapar de retaliações pelas denúncias contra políticos poderosos, a estratégia passa obrigatoriamente pela discrição. Saíram de cena a presença em festas concorridas e jantares nos melhores restaurantes, fotos em colunas sociais e capas de revista. As empresas da família só se manifestam em eventos corporativos, como a divulgação de resultados. E quem toma a frente são profissionais do mercado. Não por acaso, o novo CEO global da JBS é Gilberto Tomazoni — ele é o primeiro executivo de fora da família a comandar a empresa mais importante do grupo. Esse é o novo posicionamento.
Mas quis o acaso (ou não) que os holofotes voltassem a mirar a família: os Batista estão envolvidos na maior e mais rumorosa disputa empresarial do país em muitos anos. É a contenda bilionária pela Eldorado, uma das principais produtoras de celulose do Brasil. Nesse embate, do outro lado está a igualmente bilionária família indonésia (de origem chinesa) Wijaya, dona da Paper Excellence e da Asia Pulp and Paper, empresas de destaque na indústria mundial de papel e celulose. É uma batalha que envolve alguns dos mais renomados escritórios de advocacia do país e grupos experientes de comunicação corporativa. Para desgosto dos Batista, não havia como não ganhar as manchetes. “Não tenho dúvida de que, se o grupo brasileiro envolvido tivesse outro sobrenome, as pessoas e a imprensa se interessariam muito menos ou dariam razão à gente”, queixa-se, pedindo anonimato, um membro da família.
No cerne da disputa pela Eldorado estão minúcias legais que já ganharam as cortes brasileiras — a ação corre em segredo de Justiça — e foram parar em um tribunal internacional de arbitragem, uma espécie de fórum independente do Judiciário para tratar de contendas empresariais. A solução só deve sair em 2020. Em resumo, a Paper Excellence acusa a J&F de não ter se empenhado, conforme estabelecido em cláusula do contrato, para que ela pudesse cumprir todas as exigências previstas para a compra integral da Eldorado, que seria feita por etapas. Com esse suposto corpo mole da J&F, a Paper Excellence permaneceu como acionista minoritária, com 49,41% do capital, sem nenhuma ingerência na administração da produtora de celulose. Os indonésios suspeitam que os Batista desistiram da venda da Eldorado. Há um ano, a empresa foi vendida por 15 bilhões de reais — um valor aparentemente robusto. Acontece que, de lá para cá, o mercado virou. O preço da celulose disparou mais de 40% e o dólar se valorizou cerca de 30% em relação ao real. Como a Eldorado exporta 90% de sua produção, os 15 bilhões de reais passaram a ser uma pechincha. E, diante disso, os Batista estariam inclinados a melar o negócio.
Por sua vez, a J&F, que se manteve como acionista controladora, com 50,59% do capital, alega que sempre teve interesse em fechar o negócio, mas que o modelo de pagamento apresentado pela Paper Excellence para viabilizar a compra integral da Eldorado alterava de tal modo as condições previstas em contrato que não havia como aceitar a proposta. E que, diante do impasse, o prazo previsto para fechar o negócio acabou expirando. A Justiça negou os pedidos da Paper Excellence de fazer valer sua proposta e de estender o prazo de compra, mas, por outro lado, impediu a J&F de se desfazer das ações da Eldorado. E jogou o caso para a arbitragem.
A venda da Eldorado à Paper Excellence foi acertada há pouco mais de um ano, em setembro de 2017. Na ocasião, a oferta de 15 bilhões de reais surpreendeu concorrentes e analistas por ser considerada generosa em relação à avaliação de mercado. Jackson Wijaya, presidente da companhia, estava tão confiante no desfecho que até alugou um escritório de alto padrão em São Paulo para abrigar a nova operação. Para os irmãos Batista, ficou claro que seria um excelente negócio. Isso porque a transação praticamente encerrava, com chave de ouro, o agressivo plano de venda de ativos da J&F para levantar recursos e reduzir o endividamento, num momento em que a holding estava fragilizada e enfrentava uma crise de credibilidade por causa da revelação de envolvimento em esquemas de corrupção com congressistas e o governo. Havia necessidade de fazer caixa, uma vez que o grupo acertara meses antes, em junho, um acordo de leniência com o Ministério Público Federal no qual se comprometera a pagar multa de 10,3 bilhões de reais ao longo de 25 anos em troca do fim dos processos. Já tinham sido vendidas a Alpargatas (3,5 bilhões de reais) e a Vigor (4,3 bilhões de reais).
Ainda que Joesley e Wesley tenham sido presos de forma preventiva poucos dias depois do fechamento do negócio da Eldorado, tudo parecia finalmente encaminhado, a ponto de o então presidente da companhia, José Carlos Grubisich, entregar a sua carta de renúncia, dizendo que o seu compromisso estava chegando ao fim diante da “conclusão exitosa do processo de venda”. Grubisich viria a ser substituído, dois meses mais tarde, pelo jovem executivo Aguinaldo Gomes Ramos Filho, sobrinho de Joesley e Wesley. Aguinaldo, 27 anos, já havia exercido cargos na JBS no Brasil, no Paraguai e no Uruguai. Filho de Valére Batista, começou a trabalhar nos negócios da família quando tinha 17 anos. Seguia assim os passos de seus tios, que também puseram a mão na massa na JBS ainda jovens. Seria um mandato de transição, cuja duração prevista era de no máximo nove meses, até que a venda fosse concluída e, por tabela, os executivos da Paper Excellence assumissem a empresa. Aguinaldo Filho é um exemplo da nova postura da família: embora tenha conduzido a dura negociação com os Wijaya, ele evitou exposição na mídia. Além dele, Wesley Batista Filho, primogênito de Wesley, é outro membro da terceira geração que tomou a frente dos negócios com um estilo discreto. Wesley Filho, de 28 anos, comanda a operação da JBS na América do Sul.
A ascensão e a queda dos irmãos Batista e o litígio com a família Wijaya formam o capítulo mais recente da saga de disputas que envolvem alguns dos mais famosos empreendedores brasileiros. No início da década, o empresário Abilio Diniz ganhou os holofotes com sua batalha para manter-se no controle e exercer influência sobre o Grupo Pão de Açúcar, fundado por seu pai, Valentim. O conflito com a rede francesa Casino foi parar também na arbitragem, mas, depois de dois anos, as partes chegaram a um acordo. Os franceses hoje comandam a empresa, enquanto Abilio Diniz acabou se desligando do Pão de Açúcar. São episódios que prendem a atenção das pessoas, apesar da vontade em contrário de seus protagonistas.
Publicado em VEJA de 12 de dezembro de 2018, edição nº 2612