Os últimos dias foram de apreensão para o setor supermercadista. Pressionadas devido ao forte aumento nos preços de itens que compõem a cesta básica do brasileiro, as associações que representam o mercado foram “enquadradas” pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que pediu “patriotismo” aos donos dos estabelecimentos. “[Estamos] pedindo para que o lucro desses produtos essenciais para a população seja próximo de zero. Eu acredito que, com a nova safra, a tendência é normalizar o preço”, afirmou. Dias depois, os ânimos se acalmaram. Na quarta-feira 9, a Câmara de Comércio Exterior (Camex), vinculada ao Ministério da Economia, decidiu zerar a alíquota do imposto para a importação do arroz em casca e beneficiado — as taxas praticadas normalmente são de 10% a 12%. A isenção tarifária valerá até 31 de dezembro deste ano e jogará 400.000 toneladas de arroz no mercado doméstico. Sem as amarras que fazem os produtores argentinos e uruguaios serem favorecidos, o Brasil poderá importar o produto de outros países, como Estados Unidos e Tailândia.
A disparada nos preços incomodou consumidores e virou assunto de memes na internet. Segundo o Procon-SP, o pacote de arroz de 5 kg (quilogramas) chegou a ser encontrado por 53 reais no estado de São Paulo, um baita reajuste se considerada a média de 16 reais praticada pelo mercado paulista. Em entrevista coletiva concedida na tarde desta sexta-feira, Fernando Capez, presidente do órgão que representa os direitos do consumidor no estado, prometeu uma fiscalização rígida a partir da segunda-feira 14. “Nós entendemos que se trata de uma situação macroeconômica. Com a explosão do dólar, ficou mais interessante a exportação em relação à venda para o mercado interno”, disse. “Mas nós recebemos relatos de supermercados vendendo o pacote de arroz a 53 reais. Isso é um indício de prática abusiva.” Também destacou que os estabelecimentos que praticarem aumentos injustificados e desproporcionais em relação a margem de lucro serão autuados e multados.
Na mesma entrevista, o governador do estado de São Paulo, João Doria (PSDB), defendeu as regras do livre mercado, mas afirmou que não há razão para um reajuste acima do considerado normal. Ele, no entanto, disse que não vai pressionar o setor a tabelar os preços para o consumidor. “Somos um governo liberal e respeitamos as variações de preços em função das regras de mercado. Os empresários têm o direito de determinar os preços dos produtos, desde que sejam respeitados as normas do código do consumidor e sem abusos”, disse. Doria, ainda, não poupou críticas ao governo federal. É bom destacar que ele e Bolsonaro têm embates há tempos. “Em 2020, o estoque regulador do governo federal, que já vinha baixo, teve o segundo pior registro em duas décadas. O governo federal poderia ter ouvido o setor e promovido o equilíbrio entre o estoque e a demanda”, disse.
Tereza Cristina, ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, acabara de voltar de férias, mas já enfrenta um momento conturbado. A ministra tem reiterado com veemência que “arroz não vai faltar” e que o governo fará esforços para que os preços se normalizem. Para isso, pede uma ajuda divina: “Agora ele [o arroz] está alto, mas nós vamos fazer ele [o preço] baixar. Se Deus quiser, teremos uma supersafra no ano que vem”, afirmou em videoconferência na última terça-feira.
Em entrevista a VEJA, Ronaldo dos Santos, presidente da Associação Paulista de Supermercados, a Apas, não se opôs às medidas do Procon-SP. “O papel do Procon é fiscalizar e se preocupar com o direito do consumidor. Mas nós também nos preocupamos com os preços abusivos, por lidarmos bastante com o cliente na ponta”, disse. A disparada do dólar desajustou o mercado. Se, em 11 de agosto, a saca de arroz com casca de 50 kg era cotada a 73 reais, um mês depois, é encontrada a 104,39 reais. Ou seja, uma alta expressiva de 43% para um curto espaço de tempo. “Os supermercados são sensíveis a preço e trabalham com margens achatadas. A elevação de preço acontece porque esse produto especificamente não sofria reajustes há anos, diferentemente da carne, por exemplo. Mas entendemos que essa elevação de preço tende a se ajustar daqui para frente”, complementa.
Para Alcides Torres, sócio-diretor da consultoria Scot, o aumento nos preços do arroz é fruto de um conjunto de fatores: maior penetração do arroz brasileiro no exterior, dólar alto e rápida recuperação no consumo das famílias. “O ganho do produtor de arroz vinha pressionado há muitos anos. Isso era um desestímulo para que a categoria aumentasse a produção. De repente, com o novo governo, a estrutura cambial mudou e, por consequência, o real foi desvalorizado. Foi a chance para que as commodities agrícolas ficassem competitivas no exterior”, diz. “Com isso, os produtores do Rio Grande do Sul, principal mercado do arroz brasileiro, aproveitaram essa onda para exportar mais. E os preços subiram com a maior demanda do consumidor”.
Em agosto de 2020, o sexto mês do ano-safra 2019/2020, as exportações brasileiras de arroz atingiram 212.623 toneladas base casca, uma alta de 93% sobre o volume embarcado no mesmo mês do ano passado, segundo números da consultoria Cogo – Inteligência em Agronegócio. Espera-se que as vendas externas do produto possam atingir um recorde no ano-safra 2019/2020, superando 2 milhões de toneladas (base casca) e ultrapassando o recorde anterior, registrado em 2010/2011, quando o Brasil exportou 2,09 milhões de toneladas (base casca).
Segundo números divulgados esta semana pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE, a alta nos custos de alimentação no domicílio em 12 meses (11,39%) é a mais intensa desde novembro de 2016, quando foi de 11,57%. No ano, os preços de itens de primeira necessidade na mesa dos brasileiros como o feijão-preto e o arroz obtêm altas de 28,92% e 19,25%, respectivamente. Ainda é cedo para determinar se o preço do arroz continuará disparando ou se a isenção na taxa de importação fará com que os repasses se arrefeçam. “O fato de se retirar a taxa tem um impacto positivo no curto prazo. Mas, se você tirar 10% da taxa de importação e o câmbio continuar se desvalorizando, o efeito na ponta será praticamente nulo”, diz Santos, da Apas. Medidas populistas, como o tabelamento de preços, são coisas do passado, que não deram certo no governo de José Sarney. Repetir o erro pode não ser um bom negócio.