Entre mais uma série de mudanças embutidas na regulamentação da reforma tributária de última hora, uma das mais importantes, de acordo com especialistas e com o próprio presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), foi o dispositivo que cria uma trava para que a alíquota do novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA) a ser cobrado sobre bens e serviços no país não passe de 26,5%.
Apesar de a medida ter sido bem avaliada, já que forçará os governos a reverem desonerações se necessário e torna mais difícil a tentativa de aumentos do imposto, alguns especialistas viram o dispositivo com desconfiança, já que, na maneira como ficou desenhado no projeto de lei, o cumprimento dessa trava não será obrigatório.
“O diabo mora nos detalhes”, diz o economista especializado em contas públicas Murilo Viana. “O texto define que, se a alíquota passar de 26,5%, o Executivo terá que encaminhar um projeto de lei em 2031 propondo mudanças para a redução da alíquota. Mas não há nada que exige a aprovação dessa lei. O governo pode enviar o projeto, mas não tem nenhuma garantia de que vá ser aprovado.”
A alíquota de 26,5% foi a taxa calculada pelo Ministério da Fazenda de quanto deveria ser o IVA dadas todas as exceções e isenções que o projeto já tinha recebido ao longo de sua tramitação no Congresso. Como, no entanto, novas exceções ainda foram incluídas ainda nos últimos momentos da votação na Câmara, poucos acreditam que será possível mantê-la nesse patamar.
É o caso especialmente das carnes, que, após forte pressão de várias alas, foi incluída na cesta básica com imposto zero e, pelo peso que têm no consumo, podem, sozinhas, elevar a alíquota geral do IVA em cerca de 0,5 ponto, nos cálculos da própria Fazenda.
A reforma prevê um período de transição gradual, até 2033, dos impostos velhos para o novo, e a alíquota definitiva deverá ser definida até lá, a partir de cálculos que mantenham a mesma arrecadação atual e não promovam aumento de carga tributária. Em 2031, dever ser estimada a alíquota que passará a valer em 2033.
A trava incluída no projeto aprovado pelos deputados determina que, caso essa conta passe dos 26,5%, o Poder Executivo deverá enviar um projeto de lei ao Congresso em 2031 sugerindo reduções nas desonerações previstas pelo próprio projeto, de maneira a manter a alíquota geral dentro deste teto.
Medicamentos, profissionais autônomos, eventos e atividades imobiliárias são alguns dos diversos produtos e setores que acabaram recebendo tratamento especial na reforma, com reduções de 30% a 60% do IVA cheio, e que podem estar dentro dessa revisão.
“É uma trava que não é uma trava, na verdade. Ela dispara uma ordem para que o governo mande um projeto de lei reduzindo benefícios, mas esse projeto não é mandatório; o Congresso pode simplesmente arquivar e nunca votar”, diz o tributarista Eduardo Fleury, sócio do escritório FCR Law e um dos consultores na elaboração da reforma tributária no governo e no Congresso.
O consultor tributário Luis Wulff, presidente do Tax Group, lembra, também, que não há nada que impeça as próximas formações de parlamentares da Câmara e do Senado, até 2031 ou mesmo depois, de apresentarem um novo projeto de lei que simplesmente substitua e mude essa alíquota de 26,5% para outra maior. “Ela foi definida definida por lei ordinária e, para mudar, é bem mais fácil do que uma emenda constitucional”, explica. “Veemente há margem, não há dúvidas de que pode ser mudada.”