O pedido de recuperação judicial da Gol nos Estados Unidos, anunciado pela companhia aérea brasileira na quinta-feira (25), acontece em um momento em que as empresas do setor já vinham sofrendo com a pressão nos preços dos combustíveis, tanto quanto o governo já vinha correndo atrás de soluções para controlar as escaladas de preços das passagens aéreas – em especial pelo fato de que elas foram um dos itens que mais subiram no ano passado e estão atrapalhando os planos de uma redução mais acelerada da inflação.
No entendimento de analistas do setor, a notícia da Gol, umas das maiores companhias do país, deve colaborar para que o governo acelere os planos que tem em mente e que já vinha costurando junto às empresas.
“Com o fluxo crescente de notícias a respeito das negociações da Gol e de outros desafios do setor, o setor aéreo está ampliando se poder de negociação para intensificar as discussões com o governo de antigos pleitos”, escreveram os analistas do BTG Pactual em relatório. “Dado o atual cenário dos preços elevados das passagens aéreas, acreditamos que o governo está particularmente interessado em oferecer alternativas às empresas”, completam.
Em um comunicado público ao mercado na quinta-feira, a Gol informou que deu início a um processo de reestruturação financeira junto à justiça norte-americana por meio do chamado Capítulo 11, o dispositivo legal dos EUA semelhante às recuperações judiciais no Brasil. Nesta sexta-feira, 26, as ações da Gol caíam mais de 12%, cotadas a 5,64 reais por volta das 13h50.
A negociação dos EUA dá à companhia a possibilidade de um financiamento de 950 milhões de dólares, em um empréstimo tipo DIP (debtor-in-possession), destinado a ajudar as companhias em processo de recuperação a recolocarem as contas de pé. O empréstimo dos recursos é sujeito a aprovação da Justiça americana, e, de acordo com a Gol, em seu comunicado, será solicitado nos próximos dias. Segundo a consultoria Fitch, os vencimentos de curto prazo da Gol eram de 2,9 bilhões de reais, enquanto seu caixa de apenas 905 milhões de reais.
Os voos e todas as operações, de acordo com a companhia, continuarão funcionando normalmente. “Juntamente com o caixa gerado pelas operações em curso, [o novo financiamento] fornecerá liquidez substancial para apoiar as operações, que seguem normalmente, durante o processo de reestruturação financeira”, afirmou a a empresa.
No topo dos principais pleitos do setor, que já vinham sendo discutidos em reuniões entre as companhias aéreas e representantes do governo, está a política de preços de combustíveis para as aeronaves, a querosene de avião, com reajustes altos, frequentes e que passam diretamente pela política de preços da Petrobras. Reduzir a judicialização no país – que, de acordo com entidades do setor, tem índices bem mais altos que o padrão internacional -, bem como a liberação de recursos do Fundo Nacional de Aviação Civil (FNAC), vinculado ao Ministério de Portos e Aeroportos, estão entre os outros pontos na mesa.
O ministro dos Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, e o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, já vinham falando nos últimos dias – ainda antes do anúncio da reestruturação da Gol – em agendar em breve um novo encontro com as companhias para debater esses pontos.
“Apesar da falta de clareza quanto à possibilidade de esses tópicos de fato evoluírem, acreditamos que há vontade política para que avancem, o que, em última instância, é positivo para o setor”, afirmam os analistas de investimentos do BTG, que acompanham as ações das companhias aéreas listadas na bolsa de valores.
“Elas [empresas aéreas] têm pedido ajuda para o governo porque o governo porque também é uma preocupação dele baixa os preços das passagens aéreas, então estão tentando fazer uma via de mão dupla”, disse o analista das ações do setor de transporte da corretora Genial Investimentos, Ygor Araujo. “É um setor estratégico para o governo também, já que o Brasil é um país de dimensões continentais.”
Na visão do Goldman Sachs, a notícia do novo pedido de reestruturação de dívidas da Gol influencia pouco as operações da empresa, e o banco não tinha chegado a mexer em suas projeções para as ações da companhia – que continua sendo de um preço com potencial de chegar aos R$ 7,60 nos próximos 12 meses, aumento da ordem de 18%. As recomendações aos investidores para o papel também foram mantidas em “neutra”, ou seja, nem de compra e nem de venda para quem já possui.
“O pedido de reestruturação não deve impactar imediatamente as operações e os serviços oferecidos aos passageiros e agentes de viagens”, mas “a situação da Gol levanta preocupações”, afirmou a corretora Genial Investimentos em relatório. “A Gol afirma que o financiamento garantirá a continuidade das operações, mas o cenário permanece incerto.”