A comparação é conhecida, mas os números sempre impressionam. Em 1960, a Coreia do Sul, como o vasto grupo de países subdesenvolvidos de então, era uma nação paupérrima, movida a uma rudimentar agricultura de subsistência e destruída pela recém-acabada guerra das Coreias. Em 1980, seu produto interno bruto per capita, de miseráveis 2 100 dólares, era menos da metade do brasileiro, de 4 700 dólares. Passados 40 anos, não sobram vestígios desse passado: sede de gigantes como Samsung, LG e Hyundai, a Coreia do Sul se tornou um dos raros países que conseguiram saltar da extrema pobreza para o grupo da renda alta em poucas décadas. Sua renda média ajustada por paridade de poder de compra, atualmente de 56 000 dólares, se equipara à da França (58 700 dólares) e supera a do Japão (52 100 dólares). E é mais que o dobro da do Brasil, preso na faixa dos 20 000 dólares há anos. Com um bem coordenado plano de longo prazo para educação, exportações e controle da inflação, a Coreia do Sul é o melhor exemplo entre diversas nações que também deixaram o Brasil para trás. Tigres asiáticos como China, Malásia e Taiwan, além do vizinho Chile, são outros que saíram de níveis de renda parecidos, quando não bem menores que o do Brasil no século passado, para hoje se equipararem ou estarem à nossa frente. Por trás dessa revolução está um fator determinante: a alta produtividade.
Em linhas gerais, a produtividade é a capacidade de as pessoas, empresas e governos produzirem riqueza — em suma, é uma medida que, não surpreendentemente, também avançou muito mais em outros países do que no Brasil. Ela é a mais poderosa e perene ferramenta para fazer com que a economia cresça mais do que o simples aumento de sua população e, com isso, promova elevações contínuas de renda e bem-estar que beneficiem todos. “A produtividade mede quanto do PIB é produzido por trabalhador, e é isso que, no fundo, permite a um país enriquecer”, diz a economista Silvia Matos, uma das coordenadoras do Observatório da Produtividade Regis Bonelli, da Fundação Getulio Vargas. “Sem ela, não há milagres.”
No Brasil, o retrato da produtividade é desolador. Ela é baixa, cresce historicamente pouco e, na última década, ainda regrediu, corroída pela sucessão de recessões e anos de crescimento anêmico que o país viveu de 2014 para a frente. O nível total de produtividade que o país alcançou em 2023 é equivalente ao de 2009 e ainda está 5% abaixo do pico de 2013, de acordo com o observatório da FGV, a principal referência de dados sobre o assunto no Brasil. “Os investimentos feitos em máquinas, infraestrutura e construção desabaram, o que significa que não houve aumento da capacidade produtiva”, diz Fernando Veloso, também coordenador do Observatório da Produtividade e um dos maiores especialistas do tema no país. “O trabalhador que tem menos estrutura é também menos produtivo.” Os profissionais brasileiros produzem atualmente o equivalente a 20 dólares por hora trabalhada. No Chile, são gerados 34 dólares por hora. Na Coreia do Sul, 52 dólares. A comparação com os Estados Unidos é esmagadora: lá, 87 dólares são produzidos por hora, de acordo com a Conference Board, entidade internacional de pesquisas econômicas.
A produtividade baixa se refletiu em evoluções bem modestas do PIB e da renda brasileira desde os anos 1980, mas o assustador é que o quadro pode piorar. Isso porque esta será a primeira década em que o país viverá sem a ajuda do chamado bônus demográfico, o fenômeno que ocorre quando a população jovem e adulta, apta a trabalhar, cresce mais do que a parcela dos dependentes, formada por crianças e idosos. É uma janela que, no Brasil, começou a se abrir nos anos 1970 e, pelas estimativas mais recentes, se fechou por volta de 2018. “Teremos em breve menos pessoas entrando no mercado de trabalho”, afirma o demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, pesquisador aposentado do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Então, a única forma de aumentar o PIB per capita será aumentando a produtividade, ou seja, produzindo mais com menos gente.” Nos cálculos da FGV, o avanço da força de trabalho graças ao bônus demográfico, sozinho, adicionou um crescimento de 0,7% ao ano para o PIB per capita na década de 1990. Em 2020, sua contribuição foi igual a zero. Ou seja, agora a renda só vai continuar crescendo se o motor da produtividade estiver acelerando.
São vários os fatores que contribuem para a estagnação da produtividade e, como consequência, do baixo crescimento brasileiro. A crônica defasagem educacional está entre os principais e mais desanimadores deles. A qualificação dos trabalhadores frequentemente não atende às demandas do mercado moderno, o que está ligado, também, à alta informalidade. “Dois terços dos empregos no Brasil são de baixa remuneração, muito rudimentares, que exigem pouca habilidade e têm muita rotatividade”, diz José Pastore, especialista em trabalho e presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP. O receituário mais básico para melhorar a qualidade dessas posições passa por retomar a industrialização, setor que é naturalmente mais inovador — mas os dados indicam que mesmo a produtividade da indústria brasileira é menor que a de outros países, o que deixa a tarefa ainda mais complexa.
Há, ainda, a questão de políticas públicas inadequadas que frequentemente focam em sustentar setores e empresas que não são competitivos globalmente, e sem dar um retorno claro à economia. Isso tudo é amplificado pelo bizantino sistema tributário brasileiro, que não apenas desencoraja o investimento e a expansão empresarial mas também promove uma alocação ineficiente de recursos com seu emaranhado de exceções e subsídios. “A reforma tributária surge, portanto, como uma necessidade urgente para simplificar e tornar mais transparente o sistema, proporcionando um ambiente mais propício aos negócios e à inovação”, diz Fernanda De Negri, pesquisadora da área de inovação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
Os especialistas mais otimistas estão atentos aos sinais de melhora. O ano de 2023, pelos dados da FGV, foi o primeiro em muito tempo a ter um crescimento consistente da produtividade, de 1,8%. Por um lado, o resultado foi ajudado por fatores passageiros, como é o caso do avanço do agronegócio, um oásis de produtividade no deserto brasileiro e que foi agraciado por uma safra recordista no ano passado. Por outro, contou também com impulsos que podem ter vindo para ficar por mais tempo, como o aumento da formalização no mercado de trabalho. “A produtividade brasileira está estagnada ou crescendo pouco há muitos anos, e é cedo para afirmar que há uma reversão dessa tendência”, diz o diretor da Organização Internacional do Trabalho no Brasil, Vinícius Pinheiro. “Mas há, sim, sinais positivos.” De todo modo, sabemos que avanços terão de ser mais fortes e prolongados para tirar o Brasil do atraso.
Publicado em VEJA, abril de 2024, edição VEJA Negócios nº 1