No início do ano, muitos analistas disseram que 2024 seria um marco para a bolsa brasileira, com a volta das aberturas de capital, a valorização expressiva do índice Ibovespa e investidores correndo para aumentar as aplicações em renda variável. Cinco meses depois, nada disso ocorreu. Na realidade, o mercado permanece congelado. Os IPOs, como são chamadas as ofertas iniciais de ações, permanecem zerados — a última vez que a bolsa recebeu uma operação desse tipo foi em setembro de 2021, da companhia de biotecnologia e insumos agrícolas Vittia — e, ao menos por enquanto, não há perspectiva de retomada. Entre janeiro e abril, a movimentação financeira dos follow-ons, nome dado às ocasiões em que uma empresa de capital aberto emite mais ações para serem negociadas no mercado, atingiu o nível mais baixo desde 2016. Enquanto isso, o Ibovespa, o principal indicador de valorização da B3, se mantém entre os lanternas globais.
Em número de empresas listadas, a estagnação é observada há uma década e meia. Existem 333 companhias operando no mercado com alguma liquidez, ou seja, com pelo menos um negócio realizado no período de um ano. Em 2010, eram 331, segundo pesquisa realizada pela Elos Ayta Consultoria. O levantamento traz um dado surpreendente: há companhias abertas sem nenhuma negociação — trata-se de um sinal inequívoco da falta de tração da bolsa brasileira. Afinal, por que ela está parada?
Diversos fatores explicam o fenômeno, mas o destaque é o novo patamar de inflação e juros no mundo pós-pandemia. Após os choques nas cadeias produtivas globais provocarem quedas de preços na maioria dos países, a retomada da atividade levou ao ajuste da inflação. A pandemia ficou para trás, mas o mundo convive até hoje com os efeitos da distorção: inflação mais alta impondo juros maiores nas economias, o que tira atratividade de ativos de risco e leva os recursos para a renda fixa. Com os preços deprimidos das ações e a menor demanda de investidores, não há estímulo para que as empresas venham ao mercado para o lançamento de ofertas.
Por ora, Jerome Powell, presidente do Federal Reserve, o banco central americano, não indica quando o ciclo de corte de juros começará. “O principal evento para a seca na bolsa é o juro americano elevado, e isso dita o custo do dinheiro no mundo”, afirma Rafael Oliveira, gestor de fundos de ações da Kinea, empresa de investimentos controlada pelo Itaú. “Não vemos perspectiva de mudança nesse cenário enquanto não houver queda de juros nos Estados Unidos.”
O mercado de ações no Brasil é pequeno se comparado aos principais pares internacionais. Além de ficar atrás de mercados desenvolvidos, como a Nasdaq e a New York Stock Exchange, nos Estados Unidos, a bolsa brasileira perde em número de empresas para as de países como Índia, China, Taiwan, Malásia, Tailândia, Rússia, Polônia, Turquia e Paquistão, segundo dados da Federação Mundial de Bolsas. Quantidade não é sinônimo de qualidade, mas os números denotam a dificuldade do Brasil quanto à oferta de opções para os investidores. “O que temos aconselhado aos nossos clientes é: não aguarde uma janela de IPO, utilize este momento para se financiar de outras formas”, afirma Daniel Wainstein, sócio da Seneca Evercore, escritório especializado em fusões, aquisições e reestruturações.
Especialistas também citam o desequilíbrio fiscal brasileiro como um fator determinante para afastar as empresas (e investidores) da bolsa. É fácil entender por que isso ocorre. Com nível maior de gastos do governo, crescem os riscos inflacionários. Para conter a disparada de preços, o mecanismo inevitável é a alta de juros — o que, por sua vez, torna a renda variável menos atraente. Enquanto o Brasil não resolver esse dilema, a bolsa tende a seguir em marcha lenta.
Publicado em VEJA de 10 de maio de 2024, edição nº 2892