O Tribunal de Contas da União (TCU) deu um prazo extra, até 30 de janeiro, para que o governo federal realize a regulamentação e organize o funcionamento do Fundo Social do pré-sal, um aparato legal que está pendente desde a criação do fundo, há 14 anos.
O Fundo Social foi criado pelo marco legal do pré-sal (Lei 12.3051/10), de 2010, com o objetivo de poupar e fazer render parte dos royalties gerados pela megarreserva de petróleo então recém-descoberta, além de investir esses recursos em áreas sociais como saúde e educação.
Uma longa investigação feita em 2022 e 2023 sobre o fundo pelo TCU, porém, constatou que, mesmo passada mais de uma década, ele continua sem ter sido regulamentado, sem ter uma política de investimentos definida e, por conta disso, sofre de graves falhas de governança e transparência, o que inclui o uso não controlado dos bilhões de reais já depositados até aqui e prejudica o cumprimento de seus objetivos e de sua função social. As consequências dessa inércia do poder público e o volume expressivo de dinheiro que está em jogo foram detalhadas em reportagem desta semana de VEJA.
À luz das ingerências detectadas, o TCU determinou, em abril, que o governo federal deveria apresentar os projetos para a regulamentação do Fundo Social em até 180 dias, prazo que se encerrou em 22 de outubro. Sem cumprir a demanda, o governo pediu uma prorrogação, e o prazo foi renovado pelo tribunal em mais 100 dias, contados a partir de 23 de outubro. A prorrogação do prazo foi confirmada a VEJA pelo TCU e também pelo governo.
“O Governo Federal está trabalhando, com os órgãos envolvidos, na elaboração de um proposta, e o prazo para manifestação foi ampliado”, informou a Casa Civil, braço do Executivo responsável pelo Fundo Social, por meio de nota. De acordo com fontes consultadas por VEJA, apesar da lentidão, há disposição do governo em colaborar com o TCU e em buscar referências para montar esta regulação.
“Esta é uma briga antiga dos movimentos sociais e a regulamentação é essencial para garantir que os recursos sejam destinados de maneira correta às áreas para que foi previsto”, disse o coorneador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar. Bacelar e outros representantes da FUP participaram de uma reunião em setembro com o secretário especial de Análise Governamental da Casa Civil, Bruno Moretti, para discutir propostas para a regulamentação do fundo. “Ele mais ouviu do que falou, mas disse que apresentariam uma minuta de projeto em breve.”
Entre as exigências feitas pelo TCU ao governo, está a criação dos dois comitês que deveriam ser os responsáveis pela administração do fundo: o Comitê de Gestão Financeira do Fundo Social (CGFFS), equipe que seria a responsável por gerir as aplicações financeiras e rendimentos, e o Conselho Deliberativo do Fundo Social (CDFS), responsável por definir e realizar as políticas de desembolso do recursos às áreas sociais. Ambos estão previstos na lei que criou o fundo em 2010 e não foram criados até hoje.
“O impacto observado em decorrência da inércia regulamentar foi o de fazer com que a operacionalização do Fundo Social acabasse por desrespeitar as diretrizes estabelecidas para o fundo na Lei 12.351/2010, bem como os princípios e as melhores práticas de boa governança de Fundos Soberanos de Riqueza preconizados pelas instituições internacionais de referência”, diz o relatório do TCU, coordenado pelo ministro Antonio Anastasia.
De acordo com o levantamento do TCU, feito com dados até 2022 e, depois, atualizados para 2023, o Fundo Social recebeu um total de 180 bilhões de reais desde os primeiros depósitos que recebeu, em 2012, e 2023. Desse total, restavam pouco mais de 31 bilhões de reais em conta ao fim do 2023, sendo que aproximadamente 80 bilhões de reais foram destinados para a educação e 64 bilhões de reais foram usados para abater a dívida pública em 2021 e 2022, expediente permitido pela aprovação da PEC Emergencial em 2021.
De 2024 até 2032, quando a produção do pré-sal terá atingido seu auge, os recursos recebidos pelo fundo irão assistir a um aumento exponencial, e, nas projeções do TCU, devem somar 937 bilhões de reais até lá.
Na ausência dos comitês gestores, os recursos destinados ao Fundo Social vêm sendo há anos geridos por uma equipe provisória de servidores da Casa Civil, “não especializada e de forma protocolar”, de acordo com TCU, que depositam todo o dinheiro recebido diretamente na conta única do Tesouro Nacional, uma espécie de conta-corrente de todo o dinheiro disponível da União que tem rendimento semelhante ao da Selic.
As disposições originalmente previstas para o fundo pela lei original, e que dependem da definição de regras a ser feita pela regulamentação, são de que ele deveria fazer aplicações financeiras de maneira a maximizar os seus ganhos, incluindo aplicações no exterior, para proteger as receitas, que são diretamente vinculadas ao preço do petróleo, das flutuações do dólar. A proposta original também era de que apenas os rendimentos fossem destinados às áreas sociais previstas, preservando o principal para gerações futuras e permitindo que o dinheiro perdure mesmo depois de o petróleo acabar, ao modelo de como funcionam alguns dos principais fundos soberanos do mundo. As projeções do próprio governo são de que a produção do pré-sal já deve começar a declinar a partir de 2031.
De acordo com o TCU, há vários mecanismos de investimento, governança e transparência que deveria existir e ainda não funcionam, tanto pela falta dos comitês responsáveis quanto da regulamentação que deveria definir as suas regras. Entre os problemas detectados, o TCU aponta:
- indefinição do montante a ser resgatado anualmente do fundo;
- indefinição da rentabilidade mínima esperada;
- indefinição do nível de risco dos investimentos e dos percentuais a serem aplicados no exterior;
- indefinição da capitalização mínima a ser atingida antes de qualquer transferência para as finalidades e os objetivos legalmente definidos;
- indefinição da prioridade de destinação dos recursos resgatados para as áreas previstas;
- ausência de fixação de metas, prazos de execução e planos de avaliação prévios à destinação de recursos;
- ausência de avaliação quantitativa e qualitativa durante todas as fases de execução dos programas e projetos empreendidos com recursos do fundo;
- ausência de qualquer destinação de recursos a diversas das áreas definidas para serem beneficiadas, tais como cultura, esporte, meio ambiente, ciência e tecnologia e mitigação das mudanças climáticas