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Políticos nos viam como mágicos, diz Edmar Bacha da equipe do Plano Real

Responsável pela articulação no Congresso, economista conta detalhes sobre as negociações do plano; Bolsonaro e PT estavam no mesmo lado, contra o Real

Por Alessandra Kianek Atualizado em 1 jul 2019, 13h57 - Publicado em 30 jun 2019, 20h00
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  • Um dos criadores do Plano Real, que completa 25 anos no dia 1º de julho, o economista brasileiro Edmar Bacha foi chamado em maio de 1993 para participar da equipe econômica que tinha como meta estabilizar a economia brasileira e, principalmente, controlar a hiperinflação, que bateu nos 2.500% no final daquele ano. Bacha foi nomeado assessor especial do Ministério da Fazenda, comandado pelo também recém-chegado Fernando Henrique Cardoso. O economista fez o papel de negociador do plano com o Congresso, com a missão de convencer os parlamentares a aprovar as medidas que antecederam à entrada em vigor do plano econômico.

    “Havia a imagem de que aquela equipe econômica podia fazer mágica (de reduzir a inflação). E, quanto ela era feita, os políticos eram eleitos”, afirma Bacha, diretor do Instituto de Estudos de Políticas Econômicas Casa das Garças, um centro de debates de políticas econômicas. Os opositores ao Plano foram os parlamentares do PT e o então deputado pelo PPR Jair Bolsonaro, segundo ele. Sobre o cenário atual da economia brasileira, o economista afirma que uma arrumação na articulação política poderia levar a um maior crescimento do PIB. Leia abaixo a entrevista com Bacha, onde ele fala sobre esses e outros temas, como a reforma da Previdência, a criação do Plano Real e a ideia de uma nova moeda brasileira com a Argentina.

    Como começou a criação do Plano Real? Foi tudo muito súbito. O Fernando Henrique Cardoso só soube que tinha virado Ministro da Fazenda no dia anterior, quando estava em Nova York. Ele era o quarto ministro da Fazenda em sete meses do governo do presidente Itamar Franco. A nossa equipe era pequena, éramos um exército de Brancaleone. O primeiro passo foi um programa de ajuste fiscal chamado PAI (Programa de Ação Imediata), que tinha como objetivo cortar gastos do governo, mudar o relacionamento do Tesouro com o Banco Central e reestruturar a dívida dos estados e municípios.

    Como surgiu a ideia do plano? Em setembro de 1993, Itamar demitiu o Paulo Ximenes, presidente do Banco Central, uma autarquia do Ministério da Fazenda, sem avisar o comandante da pasta Fernando Henrique. Pressupomos que estava tudo acabado e que todos voltaríamos para casa como os ex-ministros anteriores. Fernando Henrique foi falar com Itamar e, surpreendentemente, voltou informando a equipe que o novo presidente do BC seria o Pedro Malan, que estava em Washington, negociando a dívida externa brasileira. Foi aí que se formou de fato uma equipe econômica substantiva, com Pérsio Arida e André Lara Resende, capaz de elaborar um plano mais ousado. Considero esse momento um ponto marcante da decisão de ir em frente e elaborar um programa de estabilização.

    Os políticos apoiaram? Havia a imagem de que essa equipe podia fazer mágica (de reduzir a inflação). E, quando ela era feita, os políticos eram reeleitos –desde que eles apoiassem o plano. Lembro de uma conversa com o Luís Eduardo Magalhães durante as negociações com o Congresso. Expliquei para ele que iríamos fazer algumas concessões ao PMDB para poder aprovar a medida provisória da URV. Ele respondeu: “Eu quero saber se esse plano vai dar certo. Porque, na última vez em que você fez um plano (Cruzado, em 1986), eu estava do lado errado e perdi a eleição”. 

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    E a oposição, como reagiu? O PT votou contra, mas não travou a discussão. Outro político que votou contra foi o Jair Bolsonaro. Teve uma história interessante. Em uma comissão mista no Congresso, que analisava a medida provisória da URV, sabendo que só os dois votariam contra, eu, como amigo do (Eduardo) Suplicy, falei para ele: “Suplicy, você não vai querer aparecer junto com o Bolsonaro nesse placar, não é?! Vá tomar um café na hora da votação”. Ele saiu, e não votou. O placar foi 9 a 1, sendo o único voto contrário o do Bolsonaro. No plenário, o Suplicy votou contra, mas naquela comissão ele não votou. 

    Qual foi a mágica do Real? A grande diferença desse plano, em relação aos sete que vieram antes e fracassaram, é que ele foi feito de forma transparente, aberta e negociada com o Congresso. Só implementávamos aquilo que fosse previamente anunciado, e só anunciávamos aquilo que fosse ser implementado. Ao contrário dos planos anteriores, não teve surpresa nem choques nem confiscos. Esse foi o trunfo do Plano Real.

    Como foi a negociação com o Congresso? Passei seis meses da minha vida dentro do Congresso. Trabalhava pela manhã na Fazenda e à tarde ficava negociando com parlamentares. Coube a mim essa tarefa quando o Fernando Henrique saiu do ministério para se candidatar à Presidência da República. Tínhamos um trunfo em relação aos políticos. Como era ano de eleição, com a inflação caindo, eles poderiam ser reeleitos, desde que apoiassem o plano. Não é como hoje com a reforma da Previdência. Se o político apoia a reforma, ela vai ganhar no máximo o dinheiro para as emendas. A reeleição vai depender do que o eleitorado dele achar da nova Previdência.

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    O que fez o plano ser um sucesso por tanto tempo? A eleição do Fernando Henrique foi muito importante, porque permitiu a implementação de políticas econômicas consistentes pós-plano com a sustentação da inflação em níveis baixos. Uma coisa é acabar com a inflação, outra é mantê-la baixa. 

    A reforma da Previdência é hoje o novo Plano Real? Não. A Previdência é para evitar que a economia afunde de vez. O Plano Real era para abrir uma nova era para o país. É importante que ela seja aprovada, porque vai melhorar as perspectivas e evitar a deterioração, mas só isso não basta. O governo precisa colocar ordem na casa. Está uma bagunça.

    O que está uma bagunça? Não há articulação do governo com o Congresso, não tem um negociador. Colocaram um militar da ativa (Luiz Eduardo Ramos, na Secretaria de Governo) para negociar com o Congresso. É uma piada. O negociador anterior, Onyx Lorenzoni (Casa Civil), era detestado por um terço dos parlamentares, desprezado por outro um terço e só tinha apoio de um terço. Não conseguiu negociar nada. Nós temos agora o mecanismo de presidencialismo de “colisão”. O Fernando Henrique inventou a coalizão; o Lula transformou em cooptação; e o Bolsonaro faz o presidencialismo de colisão. 

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    Após a aprovação da reforma da Previdência, quais medidas o governo deveria adotar? Primeiramente, é preciso organizar a relação do Executivo consigo mesmo e depois com o Congresso. Enquanto não houver uma pacificação desse relacionamento, não vamos conseguir avançar, porque tudo depende de aprovação dos parlamentares. A reforma tributária e a abertura da economia são muito importantes. O Brasil é uma economia ultrafechada, tem apenas 1% das exportações mundiais. Também é preciso uma industrialização em termos de integração com o mundo, e não essa política de substituição de importações que temos praticado desde sempre.

    Como o senhor avalia esse crescimento brasileiro de um PIB a 1% ao ano? A economia está parada, ela não está indo para lugar nenhum. Enquanto não tivermos um governo de fato, vamos continuar assim. Qual o grau de previsibilidade para alguém fazer um investimento no Brasil? Não há. Uma arrumação na articulação política poderia levar a um maior crescimento do PIB.

    E essa ideia do presidente Jair Bolsonaro de criar o Peso Real, uma moeda comum com a Argentina? Isso é bobagem. Isso não é sério. Não dá para ser levado a sério.

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