Os últimos dias foram cercados de tensão. A suspensão momentânea dos testes da vacina para o novo coronavírus desenvolvida em parceria pelo laboratório AstraZeneca e a Universidade de Oxford, embora parte do protocolo e causada por efeito em um paciente que não deve estar relacionado à dose de imunizante, foi um banho de água fria. Com mais de 4 milhões de casos e 130 mil mortos no país, os brasileiros estão ansiosos e não veem o momento de ganhar as ruas sem medo de serem infectados. Em entrevista a VEJA, o boliviano Carlos Murillo, CEO da subsidiária brasileira da Pfizer, um dos laboratórios farmacêuticos na linha de frente pelo desenvolvimento de um imunizante para o vírus, estima que sua vacina desenvolvida em parceria com o laboratório alemão BioNTech receba aprovação até novembro deste ano. “Ao final de outubro, esperamos ter os primeiros dados de eficácia e segurança dos nossos testes. Com isso, poderemos submeter a vacina para aprovação dos órgãos regulatórios”, diz ele. A companhia informou na última terça-feira, 15, que seu imunizante experimental desenvolvido à base de RNA mensageiro, ou mRNA, apresentou efeitos colaterais apenas leves e moderados. Recentemente, a Pfizer recebeu aprovação para ampliar seus testes no país, que estão sendo realizados em São Paulo e Salvador.
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Clique e AssineAinda não se sabe, no entanto, se o Brasil estará na lista dos primeiros países a receber a vacina da companhia. As negociações da Pfizer com o governo federal estão em “banho-maria”. É de suma importância que o país se mova. Hoje, diversos estados brasileiros estão em negociações avançadas para a aquisição de imunizantes da China e da Rússia. Ainda não há, no entanto, um movimento claro por parte do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para fazer um acerto também com a Pfizer. “Se o governo brasileiro apostar em somente uma ou outra alternativa, a população será colocada em uma situação complexa. Sabemos dos esforços do governo para combater a pandemia por meio de uma parceria com a AstraZeneca, mas entendemos que o país precisa ter diversas soluções tecnológicas à disposição”, diz Murillo. “É essencial garantir o acesso a mais de uma vacina”. A Pfizer pretende produzir, no mínimo, 1,3 bilhão de doses de sua vacina até o fim de 2021. E está em negociações avançadas para distribuir o imunizante na União Europeia, além de já ter firmado acordos com Canadá, Japão, Reino Unido e Estados Unidos — este avaliado em quase 2 bilhões de dólares.
Na fase inicial dos testes, a companhia americana trabalhou com quatro possibilidades. Hoje, a BNT162b2, modelo que se mostrou mais eficaz e seguro, está na fase 3 de testes, em estágio final para receber a aprovação por parte dos órgãos regulatórios. No fim de agosto, a Pfizer e a BioNTech receberam autorização da Food and Drug Administration (FDA), espécie de Anvisa americana, para aumentar o número de voluntários nessa última fase de testes para seu imunizante. A quantidade de voluntários, então, passou de 30.000 para 44.000 pessoas. Isso abriu a possibilidade, inclusive, para que o laboratório dobrasse a quantidade de participantes no país: 2.000 brasileiros poderão participar dos estudos que são realizados em São Paulo e na Bahia. Outro fator importante é que a empresa poderá inscrever voluntários a partir de 16 anos e pessoas com enfermidades controladas como HIV, hepatite B e hepatite C. O avanço foi comemorado, pois abre a possibilidade de identificar a prevalência da vacina frente a determinados grupos de risco. “A partir desses estudos, poderemos analisar como o RNA mensageiro se sobressai em relação à população mais jovem ou mais velha e, também, a pessoas com alguns fatores considerados de risco. Essa é a beleza da ciência”, diz Márjori Dulcine, diretora médica da Pfizer Brasil.
Embora três das quatro possibilidades de vacina para Covid-19 da Pfizer em desenvolvimento não tenham avançado ainda à fase 3, os executivos da multinacional farmacêutica deixam claro que as avaliações prosseguem e, portanto, não seria insólito imaginar que, numa eventual desaprovação para o prosseguimento dos testes de sua aposta principal, a empresa volte a preconizar os outros modelos. Pode ser, inclusive, que mesmo com a vacina aprovada, outros tipos de imunizantes avancem para que seja possível identificar o uso em determinados grupos de pacientes. Nada está descartado e a amplitude de possibilidades, segundo Murillo, é o que coloca a Pfizer em vantagem.
Além da busca pela vacina, a empresa investiga outras soluções para o combate à enfermidade. Um medicamento antiviral para o controle do novo coronavírus está sendo desenvolvido pelo laboratório e pode ter a sua fase final de testes no Brasil. Além disso, estuda-se a aplicação de citrato de tofacitinibe, uma solução aplicada para o tratamento de doenças autoimunes como artrite reumatoide, artrite psoriática e retocolite ulcerativa, em pacientes internados com o diagnóstico de pneumonite por Covid-19. A esperança é que esse medicamento retarde os efeitos da pneumonia sobre pacientes em estágio avançado do novo coronavírus. Os testes devem fazer parte da Coalizão Covid Brasil, um grupo formado por diversas instituições, como o Hospital Israelita Albert Einstein, o Hospital do Coração (HCor) e o Hospital Sírio-Libanês. “O nosso medicamento age contra algumas interleucinas, entre elas a 6, que é uma das responsáveis pelo enzima que causa esse quadro de tempestade inflamatória que leva o paciente a registrar um quadro de pneumonia e faz com que ele seja internado na UTI. Queremos usar essa solução para retirar esse paciente da UTI, da intubação. Esse estudo será iniciado nas próximas semanas”, diz Márjori. Um sopro de esperança.