Em 1953, Marilyn Monroe, símbolo sexual de uma geração, cantava ao mundo que “diamantes são os melhores amigos de uma garota”. A música, parte do clássico filme Os Homens Preferem as Loiras, resume uma ideia muito comum nos tempos de Marilyn, e hoje uma tolice: toda mulher gosta de joias, sobretudo as mais brilhantes. Desde os anos dourados, porém, a forma como o diamante é visto na sociedade se transformou dramaticamente — e o fim do ciclo de uma das maiores produtoras do mundo, a mina de Argyle, rearranjará o mercado de vez.
Depois de 37 anos de funcionamento e mais de 865 milhões de quilates produzidos, a Argyle, localizada na região de Kimberley, na Austrália, encerrará suas atividades. Em seu auge, ela foi responsável por 40% do fornecimento global. A Rio Tinto, multinacional de origem anglo-australiana detentora dos direitos de exploração, já projetava, desde 2018, o fechamento no fim de 2020, quando não restaria muito que extrair.
A especialidade da mina australiana era o diamante-rosa, um dos mais cobiçados. Os coloridos são tradicionalmente mais raros do que os cristalinos. Quase todo o suprimento de diamante-rosa vinha da Argyle e, mesmo assim, a quantidade correspondia a apenas 0,13% da produção. Agora, os interessados dependerão de outros países, especialmente da Rússia, onde se encontram cinco das dez maiores minas do mundo. Ainda assim, elas não geram os mais caros de forma contínua. E, mesmo na eventualidade de encontrar um outro sítio de potencial, estima-se uma demora de dez anos entre a descoberta e a extração estável.
Com o fechamento da Argyle, portanto, espera-se que o preço do diamante-rosa suba vertiginosamente, devido à queda da já escassa oferta. Não que antes eles estivessem mais em conta. Em 2017, uma pedra australiana foi vendida em Hong Kong por 380 milhões de reais. Se em dez anos, entre 2000 e 2020, as gemas de Argyle valorizaram-se 500%, não é difícil imaginar por quanto serão negociados os últimos exemplares saídos das terras férteis da Austrália.
Apesar de pujante, o mercado de diamantes está passando por um período, no mínimo, complicado. Até o ano passado, as vendas de três renomadas joalherias — Tiffany & Co., Cartier e Bulgari — seguiam relativamente estáveis, com um modesto crescimento de 3,2% entre 2014 e 2019. Com a chegada da pandemia, entretanto, a retração global será de 35%. Segundo o gemólogo Daniel Berringer, do Instituto Gemológico, a queda da demanda provocada pela Covid-19 será um tremendo baque para o mercado de alto luxo, no qual o diamante ainda tem peso significativo.
A suspensão do trabalho em diversos setores da cadeia produtiva, além do fechamento de joalherias, fez com que uma crise se alojasse no mercado. Assim, muitas empresas de renome foram forçadas a baixar seus preços para aliviar a inevitável erosão de receitas. Algumas mineradoras pequenas registraram perdas imensas: a londrina Petra Diamonds viu suas ações cair 75%. A Alrosa, maior da Rússia e maior do mundo em volume, teve seu produto desvalorizado em 30%.
O novo coronavírus, porém, não conseguiu tirar o esplendor do diamante-rosa. Em novembro, a gema russa Spirit of the Rose foi vendida por mais de 140 milhões de reais. De certa forma, o interesse é justificado: na época de Marilyn, os diamantes eram companheiros fiéis das mulheres e sobretudo das noivas. Hoje em dia, estão presentes em relógios masculinos, correntes e até no painel de carros esportivos.
A redução da oferta de pedras naturais pode impulsionar outra tendência: a fabricação de diamantes em laboratório. Enquanto no subsolo eles levam milhões de anos para se formar, sob temperatura de 1 000 graus e pressão esmagadora, os artificiais podem ser fabricados em questão de minutos. Nos últimos anos, fisgaram fatias importantes do mercado. Até 40% mais baratos do que os extraídos de minas como Argyle, acabaram atraindo um novo público e são inevitavelmente mais lucrativos para os joalheiros. Por esse motivo, nomes como De Beers e Swarovski aderiram à moda. Pelo jeito, sejam naturais, sejam feitos em laboratório, os diamantes continuarão a despertar o desejo dos consumidores do alto luxo.
Publicado em VEJA de 2 de dezembro de 2020, edição nº 2715