A continuar nesta toada, a economia dos Estados Unidos completará, no início de 2019, o mais longo ciclo de crescimento da história. Lá se vão dez anos desde que Barack Obama anunciou que a crise de 2008 tinha ficado para trás. O país vive hoje o pleno emprego — a taxa de desocupação é a mais baixa em cinquenta anos — e as projeções de crescimento mostram que a economia deve seguir se expandindo até meados de 2020. São números invejáveis, sobretudo para quem, como o Brasil, tem convivido com os efeitos perversos de uma economia que não cresce. Mas cautela nunca fez mal a ninguém, e economistas já começam a se preocupar com o excesso de boas notícias. Diz a sabedoria popular que, quanto maior o voo, maior a queda, e o ditado vale também na economia: recordes positivos costumam preceder recessões. Um outubro ruim nas bolsas americanas — o índice S&P acumulou perdas de 6,9% no mês — deixou analistas de cabelo em pé.
Os números na bolsa foram derrubados pelo desempenho abaixo do esperado das empresas de tecnologia, principalmente Google e Amazon. Não foram resultados ruins. A Alphabet, dona do Google, faturou mais de 33 bilhões de dólares no terceiro trimestre. Mas frustrou as expectativas, e os analistas, que estão de olho no balanço das companhias para identificar um ponto de inflexão nas vendas, se perguntam sobre o efeito dos cortes de impostos promovidos pelo presidente Donald Trump. A reforma tributária teve um impacto positivo no lucro da maior parte dos negócios, porém a queda na arrecadação preocupa. “O nível de déficit fiscal nos Estados Unidos ainda não é tratado como um risco sistêmico, mas gera desconforto”, analisa Daniel Cunha, estrategista-chefe da XP Investments. O receio é que a expansão nos investimentos, a baixa taxa de desemprego e o déficit do governo resultem em inflação alta, num típico caso de superaquecimento econômico. Se isso acontecer, o Fed, o banco central americano, tenderá a subir os juros, de modo a frear o crescimento desordenado.
Neste momento de incerteza, em nada ajuda a disposição do governo Trump de se engajar em uma guerra comercial com a China, a segunda maior potência do mundo. “Há um protecionismo em excesso. O risco de efeitos negativos a médio prazo é grande”, afirma Joelson Sampaio, professor da Fundação Getulio Vargas. Como houve sobretaxação por parte dos dois países, as empresas americanas perdem nas duas pontas: a importação de matéria-prima fica mais cara, e a exportação para outros países diminui. O próprio crescimento mais moderado da economia chinesa preocupa. O governo de Xi Jinping está investindo no receituário expansionista e prometeu continuar com a política de subsídios às estatais — um modelo que não funciona para sempre.
O Brasil fatalmente será afetado caso os dois gigantes sofram solavancos. Mas não há motivo para pânico. Saindo agora de uma recessão, o país tem espaço para crescer com as próprias pernas, mesmo em um cenário mundial desfavorável. Se fizer um ajuste nas contas públicas e promover a melhora no ambiente de negócios, poderá até atrair os investidores assustados com o esfriamento do mercado internacional. “A melhor forma de preparar-se para o futuro é fazer a nossa lição de casa”, diz Cunha, da XP. Tão difícil quanto prever uma crise é mensurá-la. Resta ao Brasil fazer sua parte.
Publicado em VEJA de 14 de novembro de 2018, edição nº 2608