A Medida Provisória da privatização da Eletrobras, entregue ao Congresso pelo presidente Jair Bolsonaro, na noite de terça-feira, 23, vai muito além da previsão de venda das ações da empresa de energia. Na prática, a MP cria uma nova estatal, que vai abrigar Itaipu e a Eletronuclear, e ainda obriga a Eletrobras privatizada a fazer uma série de repasses bilionários às regiões Norte, Nordeste e ao estado de Minas Gerais. Pela medida, a Eletrobras será obrigada a fazer aportes anuais de 875 milhões de reais, todos os anos, pelos próximos dez anos, para as três regiões.
São 350 milhões de reais, corrigidos anualmente, para a revitalização dos recursos hídricos da bacia do Rio São Francisco, que fica no Nordeste e é reduto da Chesf. Outros 295 milhões de reais vão para o Norte, para serem aplicados em projetos para reduzir custos estruturais de geração da energia na Amazônia Legal, onde fica a Eletronorte. E em Minas Gerais, 230 milhões de reais por ano para revitalizar as áreas de reservatórios das usinas de Furnas. Em dinheiro de hoje, seria um total de 8,75 bilhões de reais.
Ricardo Lima, da consultoria Tempo Presente, e que tem longa experiência no setor, diz que esses recursos terão de ser administrados por fundos, que precisarão de gestores. Ou seja, abre uma boa cartela de cargos para serem entregues a políticos e que podem agradar em cheio às bancadas dessas regiões. Além disso, não está claro, por exemplo, o que significa revitalizar as bacias do São Francisco ou reservatórios de Furnas. As regiões, por exemplo, são conhecidas pelo turismo.
A questão política no caso da Eletrobras é central para a aprovação da privatização da empresa. A estatal abriga Eletronorte, a Chesf e Furnas, que são vitais na economia e na política das cidades e estados onde estão localizadas. Furnas, por exemplo, sempre foi conhecida como um reduto do ex-deputado Eduardo Cunha, que loteava os cargos.
Não à toa, a privatização da Eletrobras ficou parada. No fim de 2019, o governo já tinha entregue um projeto de lei para a privatização da empresa, muito parecido com as linhas gerais da MP entregue ontem. Mas, passados 15 meses, o projeto não chegou nem a ter relator. Alguns atribuem à falta de vontade política do próprio governo, outros à falta de vontade política do Congresso.
Na terça-feira, a Eletrobras soltou um fato relevante destacando os pontos apresentados na MP que eram diferentes dos já propostos no projeto de lei. Entre as diferenças, estão os aportes para Furnas e São Francisco. Além disso, a capitalização foi condicionada à prorrogação da concessão da usina hidrelétrica de Tucuruí, considerada a joia da coroa por ser a maior do parque hidrelétrico da empresa. Como a concessão da usina vence em 2024, a ideia era devolver a concessão ao governo, como prevê a lei, e a União faria uma venda separada da usina. Ganharia assim o prêmio de controle sobre ela.
A privatização prevista da Eletrobras, por ser uma venda pulverizada de ações, não terá o benefício do prêmio de controle, que na prática significaria mais dinheiro para a União. Outra mudança é uma espécie de golden share (ação de ouro) que o governo terá direito e que lhe dará direito de veto em alguns assuntos.
O mercado gostou da notícia. Na segunda-feira, mesmo com as ações da Petrobras derretendo, só a notícia de que o governo poderia fazer uma MP de capitalização da Eletrobras fez com que as ações terminassem no zero a zero. Na terça e nesta quarta-feira, as ações valorizaram cerca de 20%. Mas alguns analistas ainda veem com cautela o tempo que o Congresso Nacional vai levar para aprovar a MP, se é que vai aprovar.
O prazo pode chegar a 120 dias. Por enquanto, sem aprovação do Congresso, a medida provisória apenas permite que o BNDES inicie a modelagem para a venda das ações. Num cronograma otimista, a venda poderia acontecer até o fim do ano ou no início do ano que vem.