Entre o fim dos anos 1960 e início dos 1970, os sports utility vehicles, ou SUVs, como ficaram conhecidos os utilitários esportivos, eram caracterizados pela robustez, apesar de insossos. Sem grandes luxos, percorriam ambientes extremos. Tração nas quatro rodas era uma necessidade. Quase sempre, quem comprava um carro com essas características vivia longe das cidades e buscava, acima de tudo, um veículo confiável. Mas o mercado mudou e, com ele, esses automóveis.
Como a indústria passou a privilegiar os modelos parrudos, que hoje representam a maior parcela das vendas em todo o mundo, na cola do que ofereciam os SUV lá na gênese, deu-se uma virada interessante. Os grandalhões renasceram, estão em centros urbanos, e não apenas no campo. Na virada, ganharam versões redesenhadas de clássicos de décadas passadas, mas agora com recursos tecnológicos de sobra para enfrentar qualquer terreno — seja a terra, seja a lama, seja o asfalto das metrópoles.
O caso mais recente de sucesso é o Toyota Land Cruiser, recém-apresentado pela montadora japonesa. O modelo foi desenvolvido originalmente nos anos 1950, inspirado no Jeep Willys, usado na II Guerra. Ganhou algumas reformulações ao longo do tempo, mas manteve a fama de durão. É muito usado até hoje em missões humanitárias das Nações Unidas em áreas de difícil acesso, e também já foi visto nas frotas de grupos militares e paramilitares. Há versões mais luxuosas, adotadas no mercado árabe, mas os colecionadores gostam mesmo dos modelos “raiz”. O novo design, não por acaso, ganhou até uma versão chamada 1958, com lanternas redondas e traços que remetem aos antigos modelos. O Land Cruiser será lançado nos Estados Unidos e na Europa só no ano que vem.
Mas não é o único. O segmento dos SUVs originais tem bons exemplos de novidades que mesclam modernidade e visual retrô. Há dois anos, a Ford apresentou a nova versão do Bronco, um dos mais tradicionais SUVs do mercado e um dos primeiros do gênero lançados nos Estados Unidos. Embora tenha se modernizado, o desenho remete imediatamente ao Bronco dos anos 1970. Nos Estados Unidos, dá até para escolher cores clássicas, como azul, vermelho e amarelo, opções que têm feito sucesso. E suas capacidades off-road continuam sendo postas à prova por entusiastas das trilhas. O japonês Jimny, pequeno jipe da Suzuki lançado em 1970, manteve o visual praticamente intacto. Apesar de pequeno, é famoso pela valentia. Até o Renegade, que já foi o SUV mais vendido do Brasil, tem uma linhagem nobre. Seu design tem muito do Jeep Willys original, e a versão com tração nas quatro rodas é capaz de encarar qualquer desafio extremo.
Recorrer ao passado, hoje, é uma forma de atingir um público específico. “No atual mercado, a ideia de beber das origens e da tradição é um modo de conquistar espaço”, diz o consultor Cassio Pagliarini, da Bright Consulting. É bem provável que nem todas as capacidades do carro sejam postas em funcionamento no cotidiano das cidades — mas conhecer o espírito aventureiro dos veículos é como sonhar acordado. Vale lembrar uma frase de Enzo Ferrari (1898-1988): “Não dirijo apenas para ir de A para B. Eu gosto de sentir as reações do carro, me tornando parte dele”.
Publicado em VEJA de 1º de setembro de 2023, edição nº 2857