Depois de crescer na pandemia, o setor de imóveis reagiu bem ao aumento dos juros e à piora da economia, mas a instabilidade política prevista para 2022 preocupa
O ritmo do bate-estacas, das marteladas e o vaivém de betoneiras pelos canteiros de obras espalhados nas grandes cidades brasileiras deixam clara a opulência do setor imobiliário. Ele não apenas passou incólume, como se manteve aquecido mesmo nos mais duros momentos da crise sanitária da Covid-19. Em um primeiro momento, as taxas de juros em mínimas históricas garantiram o sucesso dos lançamentos no tenebroso ano de 2020. Com a estagnação econômica emperrando o crescimento do país, esperava-se que a situação mudasse, mas não foi o que aconteceu. O terceiro trimestre, por exemplo, registrou vendas crescentes, mesmo depois dos efeitos da inflação terem se alastrado pela economia no segundo semestre do ano, a ponto de exigirem que o Banco Central aumentasse a Selic para os atuais 7,75%. “Fecharemos 2021 com um volume recorde de financiamentos imobiliários no país. Levando-se em conta os últimos três anos, quadruplicou-se o montante investido”, diz Fábio Araújo, sócio-diretor da consultoria Brain Inteligência Estratégica. “É algo extraordinário.”
Vários indicadores demonstram essa enorme capacidade de resistência. Em doze meses corridos até outubro, o país está registrando um recorde, superando 200 bilhões de reais na negociação de mais de 800 000 imóveis financiados pelo Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo, modalidade que representa 78% do crédito imobiliário tradicional. Já de janeiro a setembro de 2021, houve no Brasil uma expansão de 37,5% nos lançamentos residenciais em relação ao mesmo período do ano anterior, enquanto as vendas cresceram 22,5%. “Foi um período em que os juros mais baixos propiciaram uma impressionante redução nos estoques de alto e médio padrão das maiores empresas do setor”, explica Flávio Zarzur, presidente da incorporadora EZtec. “A grande disponibilidade de financiamento bancário permitiu que as pessoas adquirissem imóveis acima da renda, que antes não eram capazes de comprar.” Tal fenômeno fez com que as construtoras avançassem na busca por novos terrenos e na incorporação de lotes maiores para a construção de empreendimentos dotados de atrativos como quadras de tênis, raias de natação e em bairros bem localizados. “São projetos com algum grau de risco, mas graças à boa demanda é possível ousar mais. Como consequência, os resultados da empresa foram excepcionais”, diz Leandro Melnick, CEO da Even Construtora e Incorporadora.
De fato, foi uma grande notícia para o setor a diminuição dos altos estoques de lançamentos à venda, boa parte deles retida nas mãos das construtoras desde a crise iniciada no período do governo de Dilma Rousseff, quando o mercado entrou em forte retração. “A redução de estoques acabou abrindo a janela para novos lançamentos e para um ajuste de preços para cima”, afirma Cláudio Hermolin, presidente de duas associações de empresários do setor do Rio de Janeiro.
Tamanha festa, no entanto, corre o risco de perder parte do vigor em 2022. E não apenas devido à alta dos juros, que tende a afugentar compradores. Mas exatamente por causa da inflação em disparada e do cenário econômico mais nebuloso com a aproximação das eleições presidenciais. O Índice Nacional de Custo da Construção-M (INCC-M), da FGV, acumulava em novembro 14,69% de alta, no consolidado de doze meses. Essas primeiras nuvens no horizonte já foram percebidas pelos investidores da bolsa de valores, a B3. Um levantamento realizado pela consultoria Economatica mostra que, das dezoito empresas do setor listadas no pregão, apenas a CR2 apresenta ações em processo de valorização desde o dia 21 de fevereiro de 2020, quando a pandemia começou. “É possível que novos projetos sejam adiados por causa da piora das expectativas e pela possibilidade de uma diminuição na demanda”, pondera Fred Nobre, analista de investimentos da corretora Warren.
Ainda que ocorram dificuldades, há segmentos que continuarão se beneficiando da movimentação que impulsionou o setor nos últimos dois anos. É o caso das gestoras de fundos de investimento imobiliários (FIIs), empresas que negociam cotas de empreendimentos no mercado financeiro. “Em nosso ramo é natural comprar mais na retração para vender na recuperação”, explica Maximo Lima, CEO da Hemisfério Sul Investimentos (HSI), que detém 11 bilhões de reais sob gestão entre FIIs e fundos de Private Equity especializados em investimento imobiliário. “Em nosso caso, estamos capitalizados com uma força de compra de 6 bilhões de reais, olhando oportunidades na área de Private Equity”, completa ele. Assim, um dos investimentos preferidos dos brasileiros, o mercado imobiliário resiste como uma rara ilha de otimismo em um cenário pouco animador.
Publicado em VEJA de 8 de dezembro de 2021, edição nº 2767