Um dos slogans mais famosos da história do capitalismo certamente ajudou o banco americano de investimentos Salomon a se tornar um colosso com atuação global. A frase, de fato, é inesquecível: “Nós fazemos dinheiro do modo tradicional — nós o ganhamos”. De tempos em tempos, a Petrobras parece subverter a lógica que, teoricamente, deveria mover qualquer tipo de negócio. A petrolífera brasileira, em especial nos governos petistas, tem demonstrado vocação para ir na direção oposta. Ou seja, como poucas companhias no mundo, a estatal parece não se incomodar em perder dinheiro. Basta dar uma olhada no quadro que está à direita desta página para entender o tamanho do problema. Enquanto os preços internacionais do barril do petróleo sobem, a companhia reduz o valor médio do litro da gasolina enviada para as distribuidoras. Para que não haja dúvidas: a Petrobras, numa estratégia duvidosa, subsidia o preço dos combustíveis. Como a história recente ensina, trata-se de situação insustentável. A conta não fecha e, cedo ou tarde, a bomba explodirá.
Cálculos recentes estimam que a defasagem do valor da gasolina vendida no Brasil em comparação com as cotações internacionais de petróleo está em torno de 20%. No caso do óleo diesel, a disparidade aproxima-se dos 30%. De que forma isso afeta os negócios da Petrobras? Como o Brasil não é autossuficiente em sua produção, a empresa é obrigada a importar parte do combustível para atender à demanda do mercado. Por isso, os preços praticados no exterior afetam diretamente as contas da companhia. Procurado pela reportagem de VEJA, o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, não quis dizer o que a empresa fará para corrigir essa distorção.
Como não poderia deixar de ser, o caixa da Petrobras já sofre as consequências de sua equivocada política de preços. Há alguns dias, o balanço da empresa revelou que dois importantes indicadores financeiros apontaram para baixo, e a queda não foi pequena. No segundo trimestre, suas receitas recuaram 33% em relação a igual período do ano passado. O lucro encolheu ainda mais: 47%. “A segurança do abastecimento pode ser comprometida se a Petrobras não fizer ajustes para alinhar seus preços aos do mercado internacional”, afirma, sem meias-palavras, Sergio Araújo, presidente da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom). A preocupação é crescente. “Estamos em sinal de alerta”, disse a VEJA Marcelo Mesquita, conselheiro mais antigo da companhia. “É essencial permanecer vigilantes, pois o histórico da empresa não é favorável.”
Mesquita tem razão. Nos anos Dilma Rousseff, a Petrobras foi usada como instrumento político, e a estratégia revelou-se um desastre completo. Sob o pretexto de controlar a inflação e estimular o consumo, Dilma mandou segurar o preço cobrado nas bombas de combustível. Em 2014, quando o modelo ganhou tração, a Petrobras encerrou o ano com prejuízo de 21,5 bilhões de reais. É um caso para ser estudado como exemplo clássico de má gestão. Para efeito de comparação, em 2013 a companhia havia lucrado 23,6 bilhões de reais. Nos anos Dilma, a petrolífera perdeu quase 60% em valor de mercado, ou algo como 100 bilhões de reais. Trata-se de um processo de destruição de valor poucas vezes visto na história corporativa brasileira. O montante, ressalte-se, nem sequer leva em consideração os escândalos de corrupção que envolveram a Petrobras nos governos petistas, que também arruinaram os cofres da empresa.
Mesmo governos que, pelo menos em teoria, defendiam o receituário do liberalismo econômico acabaram por interceder nos desígnios da Petrobras. Em maio de 2021, Paulo Guedes, então ministro da Economia do governo Bolsonaro, defendeu reajustes mais espaçados dos preços dos combustíveis, não respeitando necessariamente as cotações internacionais de mercado. No fundo, o que a proposta pregava, de maneira envergonhada, era o controle dos preços praticados pela Petrobras.
Bolsonaro, de fato, usou e abusou de seu poder de influência. Em fevereiro de 2021, demitiu Roberto Castello Branco, reconhecido pela gestão técnica à frente da Petrobras, para colocar em seu lugar um general de carreira. Na ocasião, o mercado financeiro tratou a investida como um “novo 7 a 1”, em referência à goleada sofrida pela seleção brasileira para a Alemanha na Copa de 2014. No primeiro dia de negociações na bolsa de valores após a desastrada interferência do presidente da República, os papéis da companhia caíram cerca de 20%.
O que está ruim pode piorar. Atualmente, o preço do barril do petróleo tipo Brent, principal referência do mercado, está em torno de 85 dólares. Segundo o banco francês Société Générale, o valor chegará a 100 dólares em 2024. Não se trata de mera suposição. Em decisão conjunta, as nações que integram a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) decidiram diminuir a produção em 1,4 milhão de barris por dia até janeiro do ano que vem. De seu lado, a Arábia Saudita, maior produtora de petróleo do mundo, também determinou o corte de 1 milhão de barris diários. A estratégia é óbvia: com produção menor, os preços aumentam. Acrescente-se a isso o provável crescimento da demanda diante da expectativa de aceleração econômica global e o que se tem é um quadro de preços em ascensão.
O governo Lula mantém a pressão sobre a gestão da empresa. No início de agosto, anunciou a revisão da política de dividendos, com corte na distribuição dos recursos aos acionistas, uma crítica à fartura dos anos Bolsonaro. A justificativa é que uma proporção dos proventos seja destinada a investimentos. O problema é que, no passado recente, o uso dos recursos sob tal pretexto levou a obras superfaturadas e trocas de favores políticos — daí para a corrupção é um passo curto. Lula também teme que o aumento do preço dos combustíveis impulsione a inflação. De fato, existe correlação direta entre as duas coisas. Estudos mostram que uma alta de 1% no preço da gasolina gera impacto imediato de 0,05 ponto no IPCA.
Os preços dos combustíveis sempre foram uma questão sensível no Brasil. Em maio de 2018, a greve dos caminhoneiros, que pleiteavam queda do custo do diesel, interrompeu o fornecimento de itens essenciais à economia por dez dias, levando caos ao país. A situação agora é bem diferente, mas é inegável que a Petrobras vive momento desconfortável. Segundo um ex-presidente da companhia, há o temor de um novo ciclo de prejuízos, mais cortes nos pagamentos de dividendos e até redução dos investimentos. “Quando a Petrobras perde, todo o Brasil é afetado”, disse Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, em entrevista ao programa VEJA Mercado. O governo, portanto, deveria zelar pela saúde financeira da empresa. A melhor maneira de fazer isso é deixá-la seguir o seu próprio caminho.
Com reportagem de Felipe Erlich
Publicado em VEJA de 11 de agosto de 2023, edição nº 2854