Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, a futura ministro da Agricultura do governo Jair Bolsonaro (PSL), Tereza Cristina disse querer alterar o processo de inspeção de carnes e derivados produzidos no país, acabando com a fiscalização diária do governo em frigoríficos.
Pelas regras atuais da vigilância sanitária, o governo fica responsável pela inspeção diária da carne, desde antes do abate dos animais até a produção para consumo. Para a nova ministra, o plano é que o setor adote “práticas de autocontrole”, com protocolos de segurança criados pelo governo, mas de responsabilidade do setor privado. Dessa forma, o poder público faria uma auditoria apenas de “tempos em tempos”, defende Tereza Cristina.
“Com autocontrole, a responsabilidade é do produtor, seja sobre os equipamentos, seu pessoal ou sobre a qualidade do que tem que sair dali. Ele deve cumprir a regra, o que ele terá que fazer é seguir um protocolo detalhado”, explicou a futura ministra. “A fiscalização do Ministério será uma auditoria feita de tempos em tempos. Se achar que não está bom, vai lá toda semana.”
Para a ministra, o modelo atual limita a autonomia dos frigoríficos, não podendo ampliar a produção aos finais de semana, porque os fiscais do governo não trabalham sábado e domingo e não podem receber horas extras. “Com essa medida, não tem problema nenhum. Pode trabalhar sábado, domingo, à noite, três ou quatro turnos”, disse Tereza Cristina, que defende esse novo sistema, que já é aplicado em várias partes do mundo.
Atual ministro diz que proposta ‘não é possível’
O atual ministro da Agricultura, Blairo Maggi, um dos principais produtores rurais do país, não acredita na possibilidade de a proposta da nova ministra ir adiante. Para o consumidor brasileiro, disse Maggi, o governo pode aplicar a regra que quiser, mas quando o assunto é exportação, a situação torna-se completamente diferente.
De acordo com Maggi, é o mercado internacional que exige a presença física e diária, nos frigoríficos, de um auditor sanitário ligado ao poder público, e não um funcionário da própria empresa. “Quando eu cheguei ao Ministério da Agricultura eu também tinha a ideia de limpar tudo e deixar a responsabilidade apenas com os frigoríficos. O tempo e a experiência da Operação Carne Fraca (ocorrida em março de 2017) foi me mostrando que isso não é possível. Se o Estado sair de lá de dentro, vai dar confusão. A presença do Estado ainda é necessária lá.”
Maggi citou, como exemplo, imposições feitas ao exportador brasileiro por EUA e Europa. “Os americanos não aceitam hoje que funcionários de inspeção sejam vinculados ao frigorífico. Eles exigem que se tenha algum agente público ali, fisicamente, inclusive depois do abate do animal. Essa inspeção após a abertura do animal é determinada pelos EUA”, explicou. “São exigências de mercado comprador.”
Sobre os consumidores europeus, o ministro declarou que as medidas têm sido ainda mais duras, exigindo não apenas que os auditores sejam servidores públicos, mas também seus ajudantes. Hoje há cerca de 2.500 auditores fiscais federais em todo o país, sendo que na área de inspeção animal atuam aproximadamente 800 profissionais. O quadro de ajudantes deste time, porém, chega a 12 000 pessoas, as quais são contratadas pelos frigoríficos.
Na avaliação de Blairo Maggi, há espaço para reduzir algumas rotinas dos auditores dentro dos frigoríficos – como acompanhar a etapa de qualidade dos produtos -, mas é praticamente impossível retirá-los da operação. “Esse é o caminho que se seguiu até agora. Se o novo ministério quer fazer mudanças nessa área, terá que combinar isso com os compradores externos. Temos compromissos assumidos com cada país.”
(Com Estadão Conteúdo)