A decisão do Carrefour de suspender a compra de carne proveniente de países do Mercosul em suas lojas na França gerou uma crise com o setor agropecuário brasileiro.
O anúncio, feito em 20 de novembro pelo CEO global da rede varejista, Alexandre Bompard, em carta ao presidente da Federação Nacional dos Sindicatos dos Operadores Agrícolas da França, Arnaud Rousseau, foi motivado pela pressão de agricultores franceses contrários ao acordo comercial entre a União Europeia (UE) e o Mercosul. A reação vinda do agronegócio brasileiro é um boicote às lojas do Carrefour, interrompendo o abastecimento de proteína animal nas lojas brasileiras.
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No primeiro dia da Reunião da Cúpula do G20, na segunda-feira passada, 18, agricultores de toda a França haviam organizado grandes protestos contra o acordo comercial, temendo concorrência desleal e riscos ambientais. “Em toda a França, ouvimos a consternação e a indignação dos agricultores face ao projeto de acordo de livre-comércio entre a União Europeia e o Mercosul e consideramos o risco de repercussões negativas no mercado francês de comercializar um produto que não cumpra os requisitos e normas europeus”, escreveu Bompard dois dias depois. O executivo afirmou na mesma carta que o Carrefour não iria mais comercializar “qualquer carne proveniente do Mercosul” nas suas lojas francesas, reforçando a posição da empresa em apoio ao setor agrícola local.
No mesmo dia, o Ministério da Agricultura e Pecuária divulgou nota criticando as declarações. “O Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) reitera a qualidade e o compromisso da agropecuária brasileira com a legislação e as boas práticas agrícolas, em consonância com as diretrizes internacionais. Diante disso, rechaça as declarações do CEO do Carrefour, Alexandre Bompard, quanto às carnes produzidas pelos países do Mercosul”, dizia a nota.
A resposta do agronegócio brasileiro veio no dia seguinte com um anúncio de boicote de vendas ao Carrefour Brasil, que inclui redes como Atacadão e Sam’s Club, convocado em uma nota de repúdio.
“Se o CEO Global do Grupo Carrefour, Alexandre Bompard, entende que o Mercosul não é fornecedor à altura do mercado francês — que não é diferente do espanhol, belga, árabe, turco, italiano —, as entidades abaixo assinadas consideram que, se não serve para abastecer o Carrefour no mercado francês, não serve para abastecer o Carrefour em nenhum outro país”, diz a nota, assinada por CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes), ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal), Abag (Associação Brasileira do Agronegócio), SRB (Sociedade Rural Brasileira) e Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
O Brasil é líder mundial em exportação de carne bovina e, em 2023, segundo dados da Abiec, respondeu por 27% das importações de carne bovina da União Europeia fora do bloco, enquanto o Mercosul, somado, alcançou mais de 55%.
O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, declarou apoio ao movimento de boicote e definiu a decisão do Carrefour como reflexo do protecionismo desproporcional da França. “O Brasil tem uma agricultura de larga escala, de volume, segurança de fornecimento. A reação (do Carrefour) é desproporcional. Tanto que todos os outros países da comunidade europeia já compreenderam a situação e são favoráveis ao acordo”, disse.
Fávaro também destacou que, apesar de o veto ser restrito às lojas francesas, o impacto é sentido em toda a cadeia produtiva. “Nos surpreende a presidência local (do Carrefour), aqui no Brasil, dizer ‘nós vamos continuar comprando porque sabemos que tem boa procedência, quem não quer comprar é a matriz, a França’. Ora, se não serve para os franceses, não vai servir para os brasileiros”, afirmou o ministro, que reiterou o apoio ao agro nesta segunda-feira.
Em nota, o Carrefour Brasil confirmou que o fornecimento de carnes pela indústria brasileira foi interrompido e lamentou a situação. A empresa nega que haja desabastecimento de carnes em suas lojas e disse que trabalha para restabelecer o diálogo.
A disputa reflete tensões em torno do tratado de livre-comércio entre UE e Mercosul, em negociação há anos. Produtores rurais franceses têm se posicionado contra o acordo, citando temores de concorrência com a carne sul-americana e alegações de riscos ambientais. As exigências ambientais da UE são um dos principais entraves para a assinatura do acordo.