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Empresas criam programas de contratação para maiores de 50 anos

Entre as qualidades atribuídas aos profissionais mais velhos estão a responsabilidade, confiança, dedicação, experiência e maturidade emocional

Por Mariana Lajolo
Atualizado em 15 out 2018, 15h39 - Publicado em 13 out 2018, 08h25
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  • Encontrar emprego pode ser ainda mais difícil depois dos 50 anos. Mas algumas empresas já começam a voltar seu olhar para esse público e criaram programas exclusivos para contratação de mão de obra dessa faixa etária. São iniciativas recentes, que, na esteira do envelhecimento da população, mostram o início de uma mudança de mentalidade em relação a esses trabalhadores.

    Um desses casos é o da desenvolvedora de software Totvs, que identificou a necessidade de mexer no atendimento ao cliente. Precisava de profissionais maduros, com mais jogo de cintura e que não se afetassem com os conflitos. À época, o filme “Um Senhor Estagiário” ajudou como inspiração.

    No ano passado, a empresa deu início ao programa “Geração Sênior”. No começo, a empresa tinha receio sobre a adaptação dos novos funcionários a superiores mais jovens e à tecnologia. “Nossa surpresa foi muito positiva. Eles se tornaram referência de comportamento. O capital intelectual deles têm um valor muito alto”, diz Rita Pellegrino, diretora de RH da empresa, que contratou três profissionais por meio do programa.

    Verniaud Mendes Vieira, de 63 anos, é um dos contratados. Ele conta que estava com a “informática enferrujada” quando assumiu a vaga, mas logo conseguiu se adaptar. Com passagens pelos setores de aviação e construção civil e pelo funcionalismo público, hoje ele atua no departamento de facilities, organizando a correspondência e a chegada e a saída de materiais.

    Depois de dois anos desempregado, Cesar Pereira Assunção foi contratado pelo programa “Talentos Experientes”, do Grupo Cencosud Brasil, dono da rede GBarbosa e de outras empresas do setor varejista.

    No início, Assunção via com desconfiança a possibilidade de se recolocar no mercado. Já estava com 57 anos, e a crise econômica só tornava o cenário pior  — 12,7 milhões de brasileiros estavam sem emprego no trimestre encerrado em agosto. Quando soube de uma vaga no grupo GBarbosa, em Salvador (BA), decidiu arriscar. Enviou o currículo mesmo sabendo que teria de recomeçar do zero. Ele foi aprovado no processo de seleção e hoje é responsável pela reposição dos peixes à venda no supermercado.

    “Eu não tinha experiência nenhuma nessa área, trabalhava com administração de condomínios. Mas hoje já tiro de letra, pois tenho muita facilidade para aprender coisas novas”, afirma.

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    De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), do IBGE, o país conta com 54,3 milhões de pessoas entre 40 e 59 anos. Desse total, cerca de 3 milhões estão desempregados. Pesquisa feita pelo site de recrutamento Vagas.com mostra que o desemprego entre maiores de 60 anos vem aumentando – passou de 48% em 2012 para 72% em 2017%.

    José Antonio Francisco Neno, 58 anos, lidera 938 pessoas como gerente regional da rede Bretas. “Atuo no varejo há 40 anos. Estava empregado à época, mas optei por mudar. Nunca senti preconceito, mas tenho amigos capacitados que sentem a dificuldade na pele por conta da idade”, diz.

    Pesquisa do Instituto Locomotiva sobre o perfil de brasileiros com 50 anos ou mais, realizada em 2017, mostrou que 36% dessas pessoas estão no mercado —36% têm sua renda vinda da aposentadoria e 51% dependem dos ganhos com o trabalho. O desemprego é um grande temor para 35%.

    São números que tendem a crescer, uma vez que a população está envelhecendo. De acordo com o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), estima-se que 57% dos brasileiros ativos terão 45 anos ou mais em 2040.

    “Com a diminuição do crescimento populacional e o gradual envelhecimento da população, a camada de pessoas com mais de 50 anos é a única que permanecerá crescendo nas próximas décadas. Isso abre oportunidades econômicas e também demandas por políticas públicas”, afirma Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva.

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    “A sociedade ainda precisa de um melhor preparo para administrar essa situação. Tão importante quanto discutir a reforma da Previdência é discutir como a sociedade dará condições para que essa população continue trabalhando”, completa.

    Empresas que adotaram os programas para maiores de 50 anos dizem que profissionais mais velhos se mostram mais responsáveis, confiáveis e dedicados ao trabalho. Também possuem mais experiência e maturidade emocional lidar com problemas e solucionar conflitos.

    A administradora de consórcios Embracon, por exemplo, incentiva a contratação de pessoas com mais de 50 anos. Todas as vagas da empresa estão abertas a esse público –hoje, 8,4% da folha de pagamento é ocupada por profissionais nessa faixa etária.

    Ione Dias – 50+
    Ione Dias, 51 anos, analista de testes na área de Tecnologia da Informação. Tem 33 anos de experiência da área. Estava desempregada quando soube da vaga – 21/08/2018 (Bruno Menezes/VEJA.com)

    A analista de sistemas Ione Dias foi uma das contratadas. Aos 51 anos, colaborou para a implantação do setor de testes de software na empresa. “A forma como trabalhamos [pessoas com mais de 50 anos] é baseada em um modelo mais antigo, que nos fez mais pacientes e tolerantes. Conseguimos passar essa vivência para os mais novos”, afirma.

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    Gerente de recursos humanos da Embracon, Brenda Donato diz que adaptação da equipe aos profissionais mais velhos tem sido tranquila. “A única desvantagem percebida é que pode existir uma certa inflexibilidade com relação a algumas ideias e opiniões. Porém, esse tipo de questão faz parte do dia a dia.”

    Pesquisa do Núcleo de Estudos em Organizações e Pessoas da FGV-Eaesp em parceria com a Aging Free Fair esmiuçou a percepção que o mercado tem dos mais velhos. O estudo foi realizado em 2013 e repetido em 2018 com 140 empresas, obtendo resultados similares.

    As organizações ainda dão preferência aos profissionais mais jovens, mesmo em igualdade de condições (75%). O mesmo percentual não desenvolve postura proativa na contratação de pessoas com mais de 50 anos ou em idade de se aposentar, e 86% não possui campanhas específicas para a seleção de candidatos mais velhos.

    Essas empresas também, segundo o estudo, acreditam que as pessoas com mais de 50 anos são menos ágeis, menos criativas e têm mais dificuldade para se adaptar a novas tecnologias e a lideranças mais jovens. No entanto, 69% dizem que profissionais mais velhos têm uma maior capacidade de solução de problemas.

    Uma das barreiras ainda é a questão do preconceito com relação à idade. Essas percepções são baseadas em estereótipos, um reflexo da sociedade”

    Vanessa Cepellos, uma das autoras da pesquisa da FGV
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    “Mas daqui 20 anos, a maioria da população ativa vai ter mais de 45 anos. As empresas precisam começar a se preocupar agora em lidar com as práticas de gestão da idade. Fazer recrutamentos, seleções e treinamentos que abarquem essas pessoas. Também precisam pensar em modelos de carreira específicos para aqueles que estão envelhecendo.”

    O gerente de responsabilidade social da Cencosud Brasil, Fábio Sento Sé Oliveira, diz que a empresa não inicia processos seletivos com barreiras ou ideias pré-concebidas sobre idade ou gênero. Para cargos seniores, ter mais de 50 anos não é impeditivo, pois o executivo carrega bagagem e vivência. O perfil de competências do profissional é que será avaliado. Estar aberto a mudanças, ser pouco resistente a processos, adaptar-se, ter capacidade para interagir com os  mais jovens e energia são requisitos que poderão ser explorados de forma mais criteriosa no processo de seleção.”

    O Grupo DPSP (Drogarias Pacheco e São Paulo) apostou no que identifica como qualidades dos mais velhos ao criar o “Farma 50+” para contratar farmacêuticos, uma atividade diretamente ligada aos cuidados com a saúde e o bem-estar dos clientes.

    “Eles prestam um atendimento acolhedor e cuidadoso, contribuem com as experiências de vida e de mercado, com a oportunidade de ensinar e com a habilidade de saber conviver em equipe”, diz Felipe Zogbi, diretor de RH, suprimentos, expansão e engenharia.

    O programa é específico para essa categoria, mas a empresa também contrata pessoas mais velhas para cargos mais altos. Paulo André Duarte Rava tem 53 anos e desde 2017 é gerente de obras no grupo. Habituado ao mundo corporativo, decidiu aceitar a indicação de um colega e iniciar um trabalho no varejo.

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    “Procuro ser motivado, proativo e adaptável às novas tecnologias. O convívio com os mais jovens é fundamental, oxigena as relações e atualiza as vivências”, diz.

    A GOL conta com o programa “Experiência na Bagagem”, que já contratou mais de 60 pessoas, a maioria delas para atendimento por telefone ou em aeroportos. “O comprometimento, a dedicação, o engajamento e a capacidade de se colocar no lugar do outro são notórios nessa faixa etária”, afirma o diretor-executivo de Gente e Cultura, Jean Nogueira.

    A empresa, no entanto, diz que não faz distinção de idade nos processos seletivos para os demais cargos e tem 50% dos vice-presidentes e 23% dos diretores com mais de 50 anos.

    Valdemir Marques – 50+
    Valdemir Marques, diretor-executivo da Totvs Private, tem 54 anos e foi contratado para o cargo há 8 meses. Ele mesmo tem feito uma mescla de experiência e juventude na equipe que lidera – 22/08/2018 (Bruno Menezes/VEJA.com)

    A Totvs não vê a idade como fator impeditivo para a contratação em cargos mais altos. Com mais de 30 anos de experiência, Valdemir Marques assumiu neste ano a direção da Totvs Private aos 54 anos.

    “Para nosso negócio, a senioridade leva credibilidade aos clientes. A troca de experiências também é muito importante. Na minha equipe, gosto de mesclar jovens com pessoas mais experientes”, afirma.

    Tecnologia

    Em geral, os departamentos de RH das empresas entrevistadas usam seus sites ou plataformas digitais para o cadastro e início da seleção dos profissionais. Segundo eles, até agora não foram relatadas dificuldades para o uso dessas ferramentas pelos candidatos com mais de 50.

    Inspirado pela avó de 82 anos, super ativa, que foi obrigada a parar de trabalhar após uma queda e sofreu para se adaptar à nova vida, Mórris Litvak criou uma ferramenta para ajudar pessoas mais velhas a encontrar um emprego.

    A Maturijobs possui uma base de 75;000 pessoas cadastradas em seu site em busca de um trabalho. Em dois anos e meio de atividade, 700 empresas usaram a plataforma para ofertar cerca de mil vagas. A idade média de quem procura a plataforma é 58 anos —30% é de aposentados, 70% tem curso superior e 20% fez MBA ou pós-graduação.

    “Em geral são pessoas que estão sofrendo uma queda no padrão de vida, vivem do que economizaram e não sabem quanto isso vai durar. Estão cheias de ideias, projetos e sonhos frustrados porque a idade é um empecilho”, afirma Litvak.

    Além da oferta de empregos, a Maturijobs tem realizado cursos e palestras para falar sobre empreendedorismo, trabalho freelancer e atualização tecnológica, entre outros assuntos, como forma de ajudar a pessoas a encontrar uma nova carreira.

     

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