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‘É preciso ter coragem’, diz Henrique Meirelles a VEJA

Em entrevista, ex-presidente do Banco Central defende a importância da autonomia formal da instituição para que o Brasil cresça

Por Márcio Juliboni Atualizado em 20 set 2024, 12h58 - Publicado em 20 set 2024, 06h00
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  • Em seu livro, o senhor diz que a maior qualidade de um bom presidente de banco central é ter coragem. Por quê? A questão básica é que um banco central não pode atuar querendo popularidade a todo momento. Para tomar as medidas corretas, é necessário coragem. A atuação da autoridade monetária, por definição, gera críticas. Um excelente exemplo é o período de Paul Volcker no comando do Federal Reserve. Quando assumiu, ele elevou rapidamente a taxa básica de juros dos Estados Unidos de 11% para 21% ao ano. A atividade econômica caiu bruscamente. Houve passeatas contra o Volcker, uma coisa inédita no país. Mas a inflação, que era de 12,5% em 1980, caiu para 3,8% em 1982, e a economia voltou a crescer. São fenômenos muito difíceis de explicar em um debate público. Então, é normal que as pessoas não gostem.

    Leia também: Em autobiografia, Henrique Meirelles traz detalhes inéditos de sua trajetória

    Diante das fortes críticas de Lula aos juros altos, será difícil para o próximo presidente do BC, Gabriel Galípolo, ter essa coragem? Eu acho que não. De uma certa maneira, ele terá até uma vantagem em relação à minha época, que é o fato de que o Banco Central hoje possui independência legal. Isso dá uma segurança muito maior do que no meu tempo para fazer o que é certo e necessário.

    O senhor relata no livro que, em meados de 2007, Lula lhe telefonou pedindo que o BC cortasse os juros. A falta de autonomia legal expunha o BC a essas situações? Sim, mas tem um ponto muito importante. Como o Banco Central não era legalmente autônomo, eu lembrei ao Lula que, quando ele me convidou para o cargo, nós dois fizemos um acordo de que eu atuaria com independência, porque só assim seria possível resolver os problemas que impediam o país de crescer. Naquele dia em que ele me pediu para baixar os juros, eu falei: “Vou cumprir a minha parte do acordo e não vou cortar, e o senhor tem a prerrogativa de me exonerar, se quiser”. Quando o país começou a crescer bastante, ficou claro que a autonomia não era um capricho meu, mas, sim, um instrumento para tomar as melhores decisões, baseadas em dados técnicos, e não políticos. Aquela foi a única vez em que Lula me ligou.

    O senhor também destaca a necessidade de alinhamento das políticas monetária e fiscal. Elas estão alinhadas neste governo? Se a política fiscal é um pouco mais expansiva, isso significa que é preciso ter uma taxa de juros um pouco mais alta para equilibrar. Agora, é positivo e relevante que tenha sido aprovado o arcabouço fiscal, porque mostra que há consciência do problema do aumento de despesas. O arcabouço é mais flexível que o teto de gastos e cria muitas exceções, mas o fato concreto é que ele coloca uma certa restrição fiscal, o que vai no caminho correto. Mas, evidentemente, a taxa de juros de equilíbrio da economia se acomoda um pouco para cima. É possível, porém, trabalhar com isso, tanto que o país está crescendo. É verdade que as reformas estruturais anteriores ajudam. Elas não foram desmontadas. Não se voltou atrás na reforma trabalhista, por exemplo, nem no novo marco legal do saneamento.

    Publicado em VEJA de 20 de setembro de 2024, edição nº 2911

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