A vitória de Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais em outubro último — ou a derrota do PT de Fernando Haddad, a depender de quem conta — gerou euforia entre empresários e no mercado financeiro brasileiro. A ascensão de um governo que prometia adotar uma linha liberal na condução da economia, com uma agenda de reformas e desburocratização, levou os economistas consultados pelo Banco Central a apostar em um crescimento de 2,53% no produto interno bruto em 2019. Em pontos porcentuais, era mais que o dobro da expansão do ano anterior. Passados pouco mais de quatro meses da chegada do ministro Paulo Guedes a Brasília, no entanto, a excitação arrefeceu. Dez reduções consecutivas na previsão semanal do Banco Central derrubaram a expectativa para 1,49% do PIB neste ano. De abstrata, no entanto, essa frustração não tem nada.
No primeiro trimestre, a taxa de desemprego subiu para 12,7%, o que representa 13,4 milhões pessoas em busca de trabalho. Esse número mais que dobra quando se somam a ele os que não podem, por alguma circunstância, trabalhar, os que nem sequer procuram ocupação e os que cumprem menos de quarenta horas semanais. No mesmo período, a produção industrial contraiu-se em 2,2%; em março, o faturamento caiu 6,3%. Foi a economia real, portanto, que chamou a elite financeira ao chão. A confiança do comércio e do setor de serviços também estava em alta no fim de 2018, segundo as sondagens conduzidas pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV), mas não resistiu a esse começo de ano difícil. “A confiança estava inflada pelas expectativas de crescimento, mas o dia a dia da economia seguia com limitações, como desemprego elevado e renda crescendo pouco”, diz Flávio Castelo Branco, gerente executivo de política econômica da Confederação Nacional da Indústria.
Diz-se que a queda de um avião nunca tem uma causa única. Economias emperradas também são assim. A tragédia em Brumadinho, com o rompimento da barragem da Vale em janeiro, por exemplo, ainda pesa sobre a indústria extrativista. A infindável crise na Argentina, o principal comprador dos manufaturados brasileiros, atrapalha demais as exportações. Sazonalidades diversas entram na conta do desemprego e da queda na produção industrial. Há, porém, um entrave estrutural no centro da dificuldade de avançar com a retomada: o endividamento geral no país. Nas famílias, ele desaquece o consumo e os gastos de longo prazo; nas empresas, atrapalha planos de crescimento e investimentos; no governo, elimina as chances de estimular a economia a curto prazo, com gastos públicos. “A contração nos investimentos privados e estatais deixou menos capital circulando no mercado”, diz Alberto Ramos, diretor de pesquisas econômicas para a América Latina do Goldman Sachs.
Sem espaço para estimular a economia a curto prazo — a taxa básica de juros já está numa baixa histórica, e não há caixa para investir em obras públicas ou facilitar o crédito –, o governo busca alentar o mercado com ações vindas do receituário do ministro Paulo Guedes. No fim de abril, Bolsonaro assinou a Medida Provisória da Liberdade Econômica, que facilita a abertura e o funcionamento de empresas ao reduzir a burocracia nos sistemas públicos. O plano de privatizações e de concessões, depois de promover muitos dos leilões herdados do governo de Michel Temer, está sendo acelerado, mas só deve trazer impactos a partir de 2020. Apesar de bem recebidas, tais medidas não resolvem o problema imediato. Todas as esperanças, portanto, estão depositadas no avanço da reforma da Previdência — que, além de aliviar as contas públicas, já se tornou a grande fiadora da capacidade do governo de executar as mudanças estruturais e o projeto liberal prometido aos seus eleitores. A proposta da Previdência é tão importante para destravar o crescimento que a maior parte do mercado trocaria a aprovação, no fim do ano, de um texto que garantisse a professada economia de 1,2 trilhão de reais em dez anos por outro um pouco mais modesto, se aprovado até o fim do primeiro semestre. A assinatura de Bolsonaro no projeto vai liberar orçamento público para investimentos, estancar a dívida pública e recuperar a confiança dos investidores. “Por mais que a atividade econômica não cresça ainda neste ano, após a aprovação da reforma, o cenário de atratividade já melhoraria muito”, diz o economista Thiago Xavier, da consultoria Tendências.
Também seria bom que o governo parasse de criar problemas para si mesmo, como certas atitudes intervencionistas vindas do Planalto e as rixas constantes entre as diferentes correntes na base de apoio ao presidente. Em um cenário de incertezas, a ameaça de uma nova greve de caminhoneiros — a última foi a maior responsável pelo fiasco do crescimento em 2018 — só atrapalha. Como diz Ramos: “O Brasil já perdeu os anos 1980 e 2010. Não pode se arriscar a perder a próxima década”.
Publicado em VEJA de 15 de maio de 2019, edição nº 2634
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