Lá na antiguidade, antes da internet, antes das redes sociais, tempo de acesso ao conhecimento mais lento e limitado, tratar de dinheiro com os filhos era um tabu — o máximo que se permitia era o cofrinho coalhado de troco da mesada. Algumas famílias punham os reais na poupança, e olhe lá. É uma imagem do passado, enterrada por uma estatística tão retumbante quanto o bater de um bumbo carnavalesco: em 2019, o número de crianças e adolescentes brasileiros de até 15 anos que aplicaram na bolsa de valores chegou a 6 617, mais que o dobro em relação a 2018, indício de uma tendência já sem freio.
“Meu filho diz que na minha mão o dinheiro voa e nas mãos dele as moedas viram futuro”, resume a aeronauta Anne Louise Reis, mãe de Daniel Spaulonci, de 16 anos (veja o relato do adolescente acima). Os primeiros passos dessa revolução comportamental foram dados dentro das salas de aula — tratou-se de ensinar noções de finanças, das simples às complexas, atreladas a ações do mercado, ao mesmo tempo que se impuseram informações em torno da sexualidade. Pode soar estranho pôr numa mesma página lucro e sexo, mas não. Esses são dois temas inescapáveis de quem se prepara para entrar na vida adulta.
No tradicional colégio Visconde de Porto Seguro, em São Paulo, os professores ensinam, além das planilhas de controle de ganhos e gastos, simulações de pregões, agora perfeitamente acompanhados a distância, eletronicamente. “Os jovens do ensino médio enxergam o mercado financeiro como um jogo, e isso é muito atrativo para eles”, diz José Manuel Ribeiro, coordenador do núcleo de negócios da escola. Há, para além dos muros escolares, outros propulsores, especialmente os influenciadores digitais do YouTube, onipresentes e oniscientes. O que, afinal de contas, não se aprende com youtubers? Tudo, algumas vezes, bobagens (leia a reportagem na pág. 72).
Thiago Nigro, de 29 anos, o Primo Rico, é um dos nomes mais conhecidos desse campo, com 6,5 milhões de seguidores, boa parte deles jovens. A partir do próximo semestre, Nigro passará a falar com faixas etárias ainda mais baixas, com o lançamento de um livro em parceria com Mauricio de Sousa e sua Turma da Mônica, um modo de oferecer clareza. Didatismo, enfim, é o nome do jogo. Ao apresentar os recursos adequados aos iniciantes, o portal da corretora Rico, braço do Grupo XP, informa, cutucando o que considera pré-histórico: “Com as taxas atuais, a caderneta tem funcionado como um velho cofre. Você guarda dinheiro lá, mas ele não trabalha para você”. Diz Laio Santos, da Rico: “Apostamos no público jovem porque é a semente de grandes investidores”.
Há evidente espaço para crescimento. O dinheiro investido em ações por crianças e adolescentes representa muito pouco em relação ao valor movimentado — 0,58% do total. O grosso está na faixa acima dos 66 anos, com 38%. Mas a meninada tem um ativo inestimável: a juventude. “O tempo permite ao investidor errar ou esperar que as aplicações em ações gerem bons rendimentos”, diz Arthur Moraes, professor da área de educação da Bolsa de Valores de São Paulo. Para ajudá-lo há uma ferramenta que pode ser ainda mais poderosa que as perorações disparadas pelo YouTube: a proliferação de aplicativos das fintechs e bancos digitais, fáceis de operar e sem as taxas bancárias que os pais costumam pagar. Tempo, como diz o ditado, é dinheiro.
Publicado em VEJA de 26 de fevereiro de 2020, edição nº 2675