O município de Caconde, a 290 quilômetros de São Paulo, é um dos maiores polos de plantio de café no país. Localizado na sinuosa região da Serra da Mantiqueira, tem uma topografia ideal para o desenvolvimento dos arbustos frutíferos, que crescem melhor em altitudes elevadas. Até pouco tempo atrás, no entanto, essa característica mantinha os produtores da região isolados. Sem contar com infraestrutura de internet, eles sofriam para acessar sites ou usar dispositivos que necessitam de boa conexão. Foi só em 2018 que as primeiras antenas começaram a chegar à cidade. Em 2020, com a pandemia impulsionando a comunicação digital, o processo de instalação de torres ganhou fôlego. Atualmente, Caconde faz parte do projeto conhecido como Semear Digital, criado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) para aumentar a conectividade em áreas rurais. “O programa colocou a produção agrícola de Caconde no mapa”, afirma o cafeicultor Ademar Pereira, presidente da cooperativa agropecuária do município. De acordo com ele, a internet ajudou a dar escala ao agro local, além de ter estimulado o uso de novas tecnologias.
Em um país de dimensões continentais como o Brasil, poucos desafios são tão urgentes para o agronegócio quanto o de aumentar os índices rurais de conectividade. Apesar dos avanços registrados nos últimos anos, eles permanecem baixos. De acordo com o indicador de conectividade rural (ICR), lançado há alguns dias pela associação ConectarAGRO, apenas 19% da área rural brasileira tem cobertura de internet 4G ou 5G — a pesquisa não contabiliza conexões 2G e 3G por considerá-las tecnologias em declínio e com capacidade de tráfego de dados muito limitada. O indicador ainda mostra que a maioria das fazendas com acesso a internet está no Sul e no Sudeste do país. “No Sul, as propriedades costumam ser pequenas e estar perto das cidades, o que facilita em termos de infraestrutura”, diz Anselmo del Toro, vice-presidente da ConectarAGRO. “Já regiões do Centro-Oeste e Norte do país possuem áreas maiores para populações menores.”
Uma força econômica do Brasil, o agronegócio depende cada vez mais de boas redes de internet para desfrutar das extraordinárias oportunidades trazidas pela nova era digital. É a conectividade que permite o uso de tecnologias inovadoras, como drones que mapeiam lavouras, robôs pulverizadores, equipamentos portáteis de análise do clima ou tratores autônomos controlados por inteligência artificial, entre muitas outras. Sem ela, os dispositivos não se comunicam entre si e ficam impossibilitados de compartilhar dados ou até mesmo de operar. Isso impõe uma barreira que, afinal, diminui os índices de produtividade das áreas agrícolas.
Para tornar viáveis projetos fora das cidades, as operadoras têm apostado em novas estruturas econômicas. A Tim, uma das apoiadoras da ConectarAGRO, trabalha em parceria com grandes produtores rurais, que pagam pela instalação das antenas em suas propriedades. Em terras de 20 000 a 30 000 hectares, que são os focos do projeto, a instalação de estruturas de rede 4G custa em torno de 500 000 reais e leva de três a cinco anos para ser concluída. “Se usássemos o nosso modelo tradicional de negócios, não funcionaria”, afirma Paulo Humberto Gouvea, diretor de Soluções Corporativas da Tim Brasil. Em uma fazenda modelo em Água Boa, no Mato Grosso, a Tim calcula que a chegada da internet aumentou a safra em 18% e reduziu o uso de combustíveis em 10%. A Vivo, outra apoiadora da ConectarAGRO, afirma ter investido 9 bilhões de reais em 2023 para sua ampliação cobertura, mercado que avalia ter enorme potencial de crescimento.
A adoção do 5G no campo fica no radar das companhias – mas parece um futuro ainda distante. Mesmo entre as cidades brasileiras, a penetração da tecnologia ainda é limitada: segundo um levantamento d0 Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia (Conexis), apenas 7,16% dos municípios atualizaram suas leis de antenas locais para adotar o 5G. Por ora, no entanto, o 4G tem se mostrado suficiente para as operações do agro. “O caminho para uma operação baseada em 5G é natural, porém a rede 4G entregue na frequência de 700Mhz se mostra condizente e eficaz nas necessidades do setor”, afirma Adriano Pereira, diretor de Soluções, Parcerias e Inovação da Vivo.
Outra solução em alta são as redes não terrestres (NTN, na sigla em inglês), baseadas em sistemas de comunicação via satélite. A mais famosa delas é a Starlink, subsidiária da empresa americana de foguetes SpaceX, de Elon Musk. No Brasil, seu equipamento custa 2 000 reais, com mensalidade de 184 reais. Nesse caso, o apelo está em levar internet para regiões afastadas e sem nenhuma infraestrutura, que dependeriam de grandes projetos para acessar redes 4G. “Não consideramos essas novas tecnologias como concorrentes”, diz Del Toro, da ConectarAGRO, que mira em levar redes 4G às propriedades. “Qualquer modelo é apenas o meio para um fim, que é o de conectar máquinas e pessoas no campo.” Isso é ótimo para os produtores, mas melhor ainda para o Brasil.
Publicado em VEJA de 26 de abril de 2024, edição nº 2890