A independência do Banco Central, uma conquista da sociedade brasileira sacramentada em fevereiro de 2021, estabelece que o presidente e os diretores da autarquia tenham mandatos fixos de quatro anos, que não coincidem com o exercício da Presidência da República. Por esse critério, o número 1 do BC, Roberto Campos Neto, só deixará o cargo em janeiro de 2025. As novas regras em vigor há dois anos também definiram que a troca dos diretores seja feita de forma gradual, para evitar que os governantes exerçam influência excessiva sobre os desígnios da instituição. Em 30 de outubro, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou dois novos nomes para o BC: Paulo Picchetti assumirá a diretoria de Assuntos Internacionais e de Gestão de Riscos Corporativos e Rodrigo Texeira, a diretoria de Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta.
Com a decisão, o atual governo passará a ter quatro nomes indicados de um total de oito que compõem o corpo diretivo do BC — em maio passado, Gabriel Galípolo foi anunciado como diretor de Política Monetária e Ailton Aquino dos Santos para a área de Fiscalização. Ainda que a independência do Banco Central esteja obviamente mantida, é inegável que o governo aumentou seu prestígio junto aos quadros que, afinal, determinam a política monetária. São os oito diretores, mais o voto do presidente Roberto Campos Neto, que definem se haverá ou não cortes da taxa básica de juros, a Selic. Antes do início do ciclo de redução dos juros, em agosto, Lula fez críticas injustas ao presidente do BC, acusando-o de ir em direção contrária ao que o Brasil precisa por não diminuir a Selic. Agora, com a nova diretoria, as pressões do presidente da República talvez tenham mais efeito.
O economista Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central e fundador do Instituto Makros, considerou a escolha de Picchetti positiva. “Foi uma surpresa boa”, diz. “Entre os indicados pelo governo até aqui, ele é o único que não me parece alinhado com a escola heterodoxa”. O pensamento heterodoxo, lembre-se, é aquele que preconiza a necessidade de intervenção do Estado nos rumos da economia, algo que o receituário petista prega desde sempre. De fato, a nomeação de Picchetti aliviou, em parte, as preocupações do mercado financeiro, que teme um Banco Central cúmplice da expansão fiscal defendida pelo presidente Lula. Um ex-presidente da autarquia pontua, sob a condição de anonimato, que o risco de ingerência do governo no BC existe, mas “ainda está cedo para quantificar”.
Não será fácil o trabalho dos executivos do Banco Central nos próximos meses, dadas as más ideias de Lula na gestão econômica do país. Na semana passada, o presidente mostrou que não tem o equilíbrio fiscal como uma prioridade. “Nós dificilmente chegaremos à meta de déficit zero, até porque eu não quero fazer cortes em investimentos e obras”, afirmou. “Eu não vou estabelecer uma meta fiscal que me obrigue a começar o ano fazendo um corte de bilhões nas obras.” Ou seja, o presidente quer ter licença para gastar, o que certamente pressionará a inflação — e exigirá do BC uma gestão monetária firme para não deixar a economia desandar. “Ficou claro o que todo mundo deveria saber: o presidente não tem nenhum comprometimento com as contas públicas”, diz o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor de assuntos internacionais do Banco Central. Em 1º de novembro, o Comitê de Política Monetária do BC cortou a Selic em 0,5 ponto percentual, para 12,25% ao ano. Mais uma vez, não houve surpresas. Isso é ótimo. Espera-se que, com a nova diretoria, o Banco Central siga conduzindo a política monetária do país com a sensatez que muitas vezes parece faltar em outras áreas.
Publicado em VEJA de 3 de novembro de 2023, edição nº 2866