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Arcabouço traz sinal de alívio, mas pressão da inflação impõe desafios

Ao fim de uma longa e conturbada espera, o governo federal assume o compromisso de controlar os gastos públicos. Risco de alta de preços, porém, preocupa

Por Luana Zanobia, Larissa Quintino Atualizado em 4 jun 2024, 11h07 - Publicado em 31 mar 2023, 06h00
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  • Desde o início da transição de governo, logo após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, em novembro, a construção de um mecanismo que substituísse o teto de gastos execrado pelo petista tornou-se um requisito fundamental para a estratégia da nova equipe econômica. Mesmo com a manifesta má vontade de Lula e outros membros da cúpula do PT com o controle nos gastos públicos, é consenso que o comedimento nas despesas é condição intrínseca para que o governo consiga investir na área social e em infraestrutura ao mesmo tempo que sinalize ao mercado e investidores seu empenho na busca da estabilidade econômica. No dia 30, o governo finalmente fez o movimento tão aguardado e divulgou sua proposta de arcabouço fiscal que substituirá o antigo teto de gastos, criado em 2016.

    A nova regra fiscal terá como limite o crescimento das despesas federais até 70% da variação da receita realizada nos últimos doze meses. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, calcula que o déficit, estimado em 1% do PIB neste ano, baixe para zero já em 2024, e se encaminhe para superávit de 1% em 2026. Todos os anos haverá uma banda de 0,25 ponto porcentual para menos ou para mais, de forma que a meta seja flexível de acordo com os ciclos econômicos positivos ou negativos. Para aplacar as críticas internas do PT, preocupado com cortes em áreas consideradas prioritárias, será criado um piso para saúde e educação, como acontecia antes da instituição do teto. Os repasses para o Fundeb, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica, e ajuda para a criação do piso da enfermagem ficam fora do arcabouço. “Traçamos uma trajetória consistente de resultado primário em que a despesa vai correr atrás da receita e, portanto, vai ampliar o espaço para dar sustentabilidade para as contas públicas”, afirmou Haddad.

    Depois de infindáveis idas e vindas, sobressaltos e dúvidas, a divulgação do arcabouço foi recebida com alívio pelo mercado. Na abertura do pregão do dia 30, a Bolsa de Valores de São Paulo, a B3, atingiu alta de 2% apenas com a expectativa do plano, e no início da tarde mantinha alta de 1,63%. O dólar chegou a registrar a cotação de 5,07 reais contra os 5,13 reais cravados no fechamento do dia 29. “Uma regra como essa, que conta com um limite de despesa, é um avanço institucional importante para nossa sociedade, pois significa que aprendemos com os erros. E é natural que, para ser factível, seja menos rígida que o limite do teto imposto em 2016”, avalia o economista Alexandre Manoel, ex-secretário dos ministérios da Fazenda e da Economia entre 2018 e 2020 e sócio da AZ Quest. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, destacou o empenho da equipe econômica na construção do plano. Na terça-feira, a instituição havia divulgado a ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) em que foi mantida a taxa de juros de 13,75% ao ano e que justamente atribuía ao novo arcabouço a perspectiva de ajudar a baixar a taxa no futuro. “Ainda não olhamos os detalhes, mas é nítida a boa vontade da Fazenda em fazer um arcabouço robusto”, declarou Campos Neto em uma entrevista concedida ao mesmo tempo em que o plano era divulgado por Haddad.

    RECONHECIMENTO - Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto: menção ao esforço do Ministério da Fazenda
    RECONHECIMENTO - Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto: menção ao esforço do Ministério da Fazenda (Mateus Bonomi/AGIF/AFP)

    Com a apresentação do plano depois da turbulenta semana em que houve a manutenção da elevada taxa de juros pelo BC — e os ataques que decorreram dela —, Haddad se firmou como o vencedor da queda de braço que vem sendo travada desde o início do governo entre ele e as alas mais radicais do PT, personificadas pela presidente da legenda, Gleisi Hoffmann. O grupo, que com frequência ganha os ouvidos do presidente Lula, defende o uso massivo de investimentos e dispêndios públicos como forma de superar as grandes desigualdades sociais e econômicas. É a mesma linha equivocada adotada no segundo governo de Dilma Rousseff e que acabou desaguando na pior recessão já vista no país e no impeachment da presidente. No caso do arcabouço fiscal, o entendimento entre as alas divergentes do PT acabou sendo costurado durante uma reunião com Lula no Palácio do Planalto na véspera da divulgação, em que foi definido o modelo final do plano. No dia da apresentação da regra, Gleisi se limitou a ironizar a volta de Jair Bolsonaro ao Brasil. Em visita ao Senado para expor o projeto aos senadores, Haddad foi explícito ao comentar a batalha que travou nas últimas semanas. Ele relatou a dificuldade de montar “um programa que agrade a Roberto Campos (Neto) e Gleisi (Hoffmann)”. Pelo menos no que diz respeito às aparências, ele conseguiu.

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    Em meio ao esforço para reduzir a aura negativa que o corte de gastos públicos possa acarretar, Haddad procurou avançar além das medidas de contenção das despesas. Na entrevista em que divulgou o arcabouço, ele revelou que o governo vai anunciar na próxima semana medidas que permitirão um aumento de receitas em até 150 bilhões de reais em 2023. Tais medidas atingirão setores que hoje não são tributados ou são pouco onerados, como o setor de apostas on-line. O ministro também afirmou que não haverá criação de novos impostos nem aumento de alíquota para cumprir o arcabouço fiscal. Mas alertou que o governo vai rever o sistema atual de tributação com rigor. “Se quem não paga imposto passar a pagar, todos nós vamos pagar menos juros. Agora, para isso acontecer, aquele que está fora do sistema tem que vir para dentro. O Congresso tem que ter sensibilidade para corrigir essas distorções”, afirmou.

    EM SILÊNCIO - Gleisi Hoffmann, presidente do PT: crítica do controle de gastos, evitou comentar a nova regra fiscal
    EM SILÊNCIO - Gleisi Hoffmann, presidente do PT: crítica do controle de gastos, evitou comentar a nova regra fiscal (Antonio Cruz/Agência Brasil)

    O novo arcabouço fiscal ganhou um protagonismo inaudito em um momento em que o cenário econômico vive uma fase bastante peculiar. Os grandes vilões do custo de vida brasileiro desde o início da pandemia estão mais brandos. No índice IPCA-15 medido entre o meio do mês de fevereiro e de março, a inflação de alimentos desacelerou para 0,2%. O preço da energia também já não pressiona como nos últimos dois anos, passados problemas climáticos como a estiagem. A reoneração dos combustíveis, ocorrida em fevereiro, que tinha um potencial de impacto com a volta de tributos cortados no segundo semestre de 2022, também não surtiu efeitos mais danosos. Por fim, os preços dos bens industriais também sofrem menos com o desarranjo das cadeias produtivas causadas pelos lockdowns realizados durante a pandemia. No entanto, o setor de serviços ainda apresenta problemas, com a ameaça inflacionária à espreita.

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    Na contramão da alimentação realizada em casa, quem almoça fora, por exemplo, ainda percebe preços em ascensão. O mesmo vale para despesas em outras situações corriqueiras, como ir ao salão de beleza, comprar uma passagem aérea ou pagar a mensalidade escolar dos filhos. No fim de 2022, aproveitando a reabertura econômica pós-Covid, o setor de serviços avançou 8,3%, enquanto o comércio cresceu 1%, e isso provocou desequilíbrio nos preços. A pressão inflacionária nos serviços preocupa porque o setor representa cerca de 30% do orçamento familiar e está apresentando uma alta contínua, em torno de 7,5%, um índice considerado muito elevado. “Os serviços têm a característica de serem indexados à inflação passada, o que dificulta a redução dos preços”, afirma o economista André Braz, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). “Além disso, o índice de difusão, que mede o porcentual de produtos e serviços com aumento de preço, tem se mantido em torno de 65%, o que indica uma inflação mais disseminada”, afirma. Segundo o economista, apesar dos sinais de desaceleração da inflação neste início de ano, vislumbra-se no horizonte fatores para nova pressão na segunda metade do ano, com estimativa de que o IPCA encerre o ano em 6%. A austeridade do BC em relação aos juros é escorada nessas avaliações de risco. Com isso, apesar do alívio e bons augúrios decorrentes da apresentação do compromisso fiscal do governo, o trabalho de recuperação da economia está muito longe de ser concluído.

    Publicado em VEJA de 5 de abril de 2023, edição nº 2835

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