Aqui no Brasil, ele tem sido chamado de fundo abutre. Aquele tipo de fundo que compra a preço de banana uma dívida de uma empresa prestes a ir à falência para depois promover brigas épicas e receber o que gastou de volta multiplicado pelo maior número de vezes possível. Apesar da fama, seu nome é quase poético: Lone Star Funds. Nos Estados Unidos, é mais conhecido como hedge fund e é amado pelos fundos de pensão porque há muitos anos consegue cumprir a promessa de entregar entre 15% a 20% de retorno. Seu dono, John Grayken, é um dos 200 maiores bilionários do mundo. Por conta do seu negócio de comprar ativos podres e sua completa aversão a aparecer na mídia, ele é chamado de “banqueiro sombra”. A revista Forbes chegou a dizer que Grayken é o mais sombrio entre as sombras: coração zero ao fazer negócios. Abriu mão da cidadania americana para pagar menos impostos e virou irlandês. Enriqueceu com as hipotecas das famílias falida americanas na recessão de 2008 e não teve dó. Seu patrimônio total: 85 bilhões de dólares ou algo como meio trilhão de reais. Dinheiro suficiente para comprar uma Petrobras inteira. Este é o currículo do mais novo inimigo da Odebrecht.
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Clique e AssineA Odebrecht devia ter desconfiado, mas como a sua unidade agroindustrial já estava no aperto há alguns anos, aceitou com certo alívio um empréstimo de cerca de 300 milhões de dólares (1,5 bilhão de reais) do Lone Star. Segundo algumas fontes, os juros eram altos e o fundo ainda ganhou como garantia todo o plantio de cana de açúcar. Depois do escândalo da Lava Jato, esta unidade agroindustrial deixou o nome Odebrecht de lado e passou a atender pela alcunha de Atvos. Quando veio a recuperação judicial, o Lone Star virou um dos maiores credores da dívida, com cerca de 12 bilhões de reais da empresa. A Odebrecht inclusive acusou a Lone Star de ter forçado a recuperação judicial quando conseguiu na Justiça um bloqueio do caixa da empresa, no ano passado. A briga para valer entre os dois, entretanto, começou às vésperas da aprovação do plano de recuperação judicial da Atvos. Já era maio, em plena pandemia, quando os maiores credores da empresa fizeram uma assembleia. Banco do Brasil, BNDES, Bradesco, Itaú e Santander, que juntos detêm a maior parte da dívida da empresa, estavam finalmente alinhados e aprovaram o plano. E que excluía a proposta do Lone Star que queria até mesmo aportar mais algumas centenas de milhões na companhia.
Cinco dias antes da aprovação, o Lone Star fez uma jogada que pegou todos de surpresa: comprou o controle da Atvos de um banco francês que atua nos Estados Unidos, o Natixis. Pagou apenas 5 milhões de dólares, mas com o controle nas mãos partiu para o ataque e se recolocou de volta à mesa do jogo. A estratégia jurídica é a de ser reconhecido como dono da Atvos para convencer a Justiça que o plano aprovado não vale, já que não foi apresentado e negociado pelo acionista majoritário da empresa na assembleia de credores. Nesta semana, o Lone Star conseguiu o que pareceu ser uma vitória na Justiça. O desembargador Alexandre Lazzarini, do Tribunal de Justiça de São Paulo, não viu ilegalidade aparente no negócio e disse que é muito prematuro suspender o negócio. A partir desta decisão, o Lone Star segue sendo dona da Atvos e está pronto para começar a tentar impugnar o plano aprovado.
Como cada advogado interpreta como quer uma decisão judicial, os advogados da Odebrecht também comemoraram a decisão, apesar de o desembargador Lazzarini ter rejeitado a liminar que pedia para que o negócio entre Natixis e Lone Star fosse desfeito. O motivo da alegria é que Lazzarini, que está julgando todos os processos da recuperação judicial das empresas do grupo Odebrecht no TJ, apesar de ter reconhecido a compra, também reconheceu que o plano de recuperação judicial foi aprovado e que o Lone Star sabia das condições do plano e da negociação com os credores. “O Plano de Recuperação Judicial foi apresentado e aprovado pelos credores, devendo ser cumprido, a princípio, nos termos apresentados na AGC”, disse o juiz.
Os advogados da Lone Star também estão felizes pois logo na sequência da decisão, Lazzarini dá a entender que os bancos credores, quando aprovaram o plano também sabiam que havia um novo dono e o risco que isso representava. Ou seja, a briga societária vai longe. O plano ainda não foi homologado pela Justiça e somente poderá ser questionado depois deste evento. Os juízes de recuperação judicial também são menos sensíveis a argumentos de disputa societária e cuidam mais de saber se o plano pode ajudar a empresa a de fato se recuperar. E como a briga é de cachorro grande, estão nela dois dos mais badalados escritórios de recuperação judicial. O E.Munhoz que representa a Odebrecht e pela Lone Star o TWK Advogados (Thomaz Batos, Waisberg, Kurzweil Advogados).
Um dos motivos para os bancos só observarem, por enquanto, segundo fonte que participa do processo, é porque o Natixis, que vendeu sua participação para o Lone Star, só passou a ser dono do capital da empresa que controla a Atvos por conta de uma operação de garantia de empréstimo, conhecida como alienação fiduciária. O Natixis liderou um consórcio para emprestar dinheiro para a Odebrecht construir um gasoduto no Peru. Todos os empréstimos de bancos hoje são feitos com esse tipo de alienação, então poderia ser um tiro no pé questionar a venda para a Lone Star. Além disso, é uma operação muito parecida com a das garantias da Braskem — outra companhia do grupo enrolada neste emaranhado de recuperações judiciais e cujas ações foram dadas como garantias no cumprimento da RJ da holding Odebrecht. De qualquer foram, a Odebrecht questiona a venda porque entende que alguns princípios da lei foram feridos como a venda por preço vil. Por 5 milhões de dólares, a própria Odebrecht daria um jeito para pagar, por exemplo. A empresa alega que a Natixis sabia que o plano a ser apresentado contemplava o valor de 550 milhões de reais que seriam pagos à Odebrecht por 10% de uma emissão de debêntures ou de 10% da venda da empresa no plano de recuperação judicial. Além disso, a empresa acusa a Natixis e o Lone Star de fazerem uma simulação e pediu até uma abertura das contas do banco nos Estados Unidos porque acreditam que teve mais dinheiro envolvido na operação. A Natixis se defende dizendo que jamais faria algo assim sendo sujeito à forte regulação do mercado americano. Além deste processo nos Estados Unidos, a Odebrecht também pediu a abertura de um processo arbitral que decidirá se a compra foi legítima ou não. A briga entre o que já foi a maior empresa do Brasil está começando contra um Golias com alcance global.