Quando dirigia uma unidade de políticas de formação profissional na Organização Internacional do Trabalho (OIT), em Genebra, recebi a visita de um russo, o vice-ministro do Trabalho. Ele estava radiante com a onda de privatizações em seu país. Pretendia entregar o encargo de formar gente às empresas. Retruquei que, se desse certo, seria um duplo e belíssimo sucesso. Aliviaria os orçamentos públicos e promoveria o turismo, pois haveria filas para visitar uma fórmula que não existe em parte alguma do mundo.
Na cornucópia de propostas dos candidatos à Presidência do Brasil, o Sistema S acaba na mira de alguma ideia salvadora — aliás, isso se repete em períodos de eleição. Por que a ninguém ocorre propor cobrança para a educação básica pública? Na verdade, é coisa bem parecida com formação profissional. Lucra quem a recebe e os benefícios se espalham por toda a sociedade (os economistas chamam isso de Economias Externas). Mesmo nas sociedades mais entusiasmadas com os mercados, há tanto redes de escolas públicas como caríssimos sistemas de formação profissional, nos quais a maioria dos cursos é gratuita. Neste nosso país, que ama ver a mãezona estatal cuidando de tudo, ninguém propõe mexer na educação pública. Sendo assim, focalizemos a preparação da mão de obra, alvo frequente de planos redentores.
Se não for o Estado, quem pagará as contas? Pela lógica, quem faz os cursos deveria pagar, pois é quem mais lucra com eles. Quando se trata de níveis mais sofisticados, faz sentido. Mas a maioria dos cursos se destina a uma clientela modesta, incapaz de arcar com um tipo de formação que tende a ser cara. E que, além disso, não percebe tão claramente os seus benefícios futuros. Se ela tivesse de pagar, praticamente desapareceria a formação inicial. E, tal como na escola regular, desapareceriam os ganhos de produtividade, bons para toda a sociedade.
Mas e as empresas que se beneficiam de gente mais preparada? Pagariam? Não nos esqueçamos, a formação inicial tende a ser longa. Como faltam boas fórmulas para obrigar o graduado a permanecer na empresa, financiar tal treinamento é má ideia para ela. Cortar os fundos públicos condenaria a formação inicial à extinção.
Sendo assim, a única solução que se encontrou é o Estado cobrir aquele treinamento que não é autofinanciável, seja pelas empresas, seja pelos alunos. Nesse sentido, o Sistema S é uma solução muito feliz, pois dispõe de fundos públicos e tem as vantagens de uma gestão privada (pelas federações patronais). Sempre ouvi elogios a essa fórmula brasileira e aos seus resultados, sobretudo por parte dos experts internacionais. De resto, pesquisas mostraram uma ótima relação custo-benefício para o Senai, que ganhou o primeiro prêmio na competição internacional WorldSkills. O Sistema S não é homogêneo, tendo seus cacoetes. Mas, parafraseando Ortega y Gasset, não podemos abandonar o uso pela existência de abusos. Faz mais sentido entender bem como funciona e aparar as arestas.
Publicado em VEJA de 10 de outubro de 2018, edição nº 2603