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A corrida do ouro: metal recupera protagonismo com tensões geopolíticas

Preços do ouro tendem a ser mais estáveis que de outros ativos, já que não estão ligados diretamente ao desempenho de uma só economia

Por Camila Barros, Juliana Machado Atualizado em 3 jun 2024, 16h34 - Publicado em 1 jun 2024, 08h00
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  • Até 1971, o ouro ocupou o coração do sistema monetário internacional. Com taxas de câmbio fixas, as moedas tinham sua cotação vinculada a uma quantidade predeterminada do reluzente metal. Era esse lastro que dava a segurança de que, por trás do dinheiro, havia um bem físico que garantia o seu valor. Quando o padrão-ouro foi abolido, o sistema monetário passou a ser fiduciário — ou seja, baseado na confiança entre autoridades monetárias e instituições financeiras de que os pagamentos seriam efetivamente honrados. De uns tempos para cá, o ouro vem recuperando seu velho protagonismo na economia mundial, à medida que os bancos centrais direcionam esforços para aumentar os estoques do metal.

    Em 2022, os BCs compraram o recorde de 1 080 toneladas de barras de ouro, uma alta de 140% em relação a 2021. Em 2023, o número somou 1 040 toneladas. No primeiro trimestre de 2024, a demanda foi de 290 toneladas, o melhor começo de ano já registrado para o metal.

    Trata-se do sintoma de um cenário geopolítico em turbulência. Considerado uma reserva de valor, o ouro ajuda a fortalecer a confiança no sistema financeiro em tempos de instabilidade. Isso porque seu preço tende a ser mais estável do que o de outros ativos, como ações ou moedas, e não está diretamente ligado ao desempenho de uma só economia. Isso o torna uma proteção contra a inflação, a desvalorização da moeda ou a influência política.

    Cofre do Fed em Nova York: bancos centrais aumentaram compras do metal
    Cofre do Fed em Nova York: bancos centrais aumentaram compras do metal (fed/.)

    Não à toa, quem puxa a fila da demanda é a China, que busca diminuir sua dependência de dólares americanos enquanto a guerra comercial com os Estados Unidos se acirra. Com 2 235 toneladas estocadas, o ouro é parte pequena dos 3,3 trilhões de dólares em reservas internacionais do Banco Popular da China (PBoC). O volume vem crescendo com rapidez: só em 2023, foram adicionadas 225 toneladas aos cofres do país, a maior compra anual desde 1977. No primeiro trimestre deste ano, os chineses adquiriram outras 27 toneladas. Enquanto aumenta suas reservas em ouro, o PBoC abre mão de títulos públicos dos Estados Unidos (os treasuries). Em uma década, as reservas chinesas nessa modalidade encolheram cerca de 40%. Só no primeiro trimestre deste ano, o país vendeu 53 bilhões de dólares em títulos americanos, de acordo com cálculos da agência de notícias Bloomberg com dados do Tesouro dos Estados Unidos.

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    A China busca se proteger de eventuais bloqueios americanos às suas reservas, já que as tensões entre os dois países têm escalado com força nos últimos anos. Em maio, no capítulo mais recente dessa disputa, Joe Biden, o presidente americano, anunciou o aumento de impostos sobre a importação de uma ampla gama de produtos chineses, como carros elétricos, iniciativa concebida para proteger a economia americana de políticas que considera anticompetitivas. A Casa Branca estima que as novas tarifas deverão afetar as importações chinesas em pelo menos 18 bilhões de dólares.

    Londres na pandemia: a crise de proporção global acelerou a busca por ativos mais seguros
    Londres na pandemia: a crise de proporção global acelerou a busca por ativos mais seguros (Design Pics Editorial/Getty Images)

    Também influenciada pelas tensões geopolíticas, a Rússia foi outro país a aumentar as suas reservas em ouro em detrimento dos títulos dos Estados Unidos. No início de 2022, época da invasão da Ucrânia, os dólares americanos correspondiam a apenas 16% das reservas russas, uma queda brusca em um curto período de tempo — em 2018, os dólares representavam 40% do total. Por sua vez, as reservas de ouro cresceram em 410 toneladas, um salto de 21% nesse mesmo período. A estratégia, claro, visava proteger a poupança russa das sanções americanas após o início da guerra. “O dólar continua sendo a maior reserva nos bancos centrais, tanto em países emergentes quanto nos desenvolvidos, mas observamos a tendência de fuga para um ativo cuja custódia é física, justamente para os países se resguardarem em eventual caso de bloqueios”, afirma Rafael Wurzmann, chefe de investimentos offshore da gestora de ativos Criteria Financial Group, que cita a guerra entre Israel e Hamas como um catalisador recente da busca por proteção.

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    No primeiro trimestre de 2024, além da China, outros grandes compradores do metal foram os BCs da Turquia, da Índia e do Cazaquistão, num movimento protagonizado por economias em desenvolvimento. Países desenvolvidos, vale notar, já possuem boa parte de suas reservas em ouro. Os Estados Unidos lideram a lista, com cerca de 8 000 toneladas estocadas em seus cofres.

    Além das compras dos bancos centrais, analistas citam a demanda crescente de investidores chineses e indianos por joias e barras de ouro. Na China, a crise do mercado imobiliário — principal destino dos investimentos dos cidadãos locais — tornou o ouro atraente para investidores que buscam fugir dos ativos domésticos. Desde 2020, o setor de construção civil do país enfrenta uma profunda crise provocada pelo excesso de oferta de moradias. Dados do governo mostraram que, nos primeiros quatro meses de 2024, o investimento em propriedades diminuiu 10%. Na Índia, a alta na demanda por ouro tem a ver com o rápido crescimento econômico do país. “A Índia é outro catalisador importante no longo prazo, porque, historicamente, o indiano tem a tendência de comprar ouro”, diz o gestor de um grande fundo multimercado, que prefere não se identificar para não revelar suas estratégias de investimentos. “Com a Índia enriquecendo, essa demanda também deverá crescer.”

    Biden: a guerra comercial travada com a China também beneficiou o mercado de ouro
    Biden: a guerra comercial travada com a China também beneficiou o mercado de ouro (Samuel Corum/EPA/EFE)

    Juntos, esses fatores têm alçado as cotações do ouro para valores recordistas. Entre abril e maio, os futuros do ouro alcançaram máximas históricas na bolsa de Chicago, nos Estados Unidos. Eles superaram a marca dos 2 400 dólares por onça-troy, uma valorização de 25% em um ano. Até então, o preço do metal só havia ultrapassado os 2 000 dólares por onça em 2020, quando a pandemia de covid-19 paralisou cidades e economias inteiras, levando os investidores a priorizar a segurança nos portfólios.

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    Desta vez, a alta tem uma característica incomum: normalmente, a procura por ouro é inversamente proporcional à demanda por títulos públicos americanos, outro ativo utilizado como reserva de valor. Com os juros dos Estados Unidos em seu maior nível em 23 anos, o metal tenderia a ficar de lado, porque o custo de transporte e estocagem das barras o torna menos atraente. “Os BCs não estão preocupados com o preço do ouro, porque o que eles querem é formar estoque”, diz Marcelo Vieira, chefe de renda variável da escritório de investimentos Ville Capital. “Por isso, os cortes de juros não estão fazendo efeito no mercado de ouro, que está se comportando na contramão da teoria econômica.”

    Xi Jinping, presidente da China: o país quer diminuir sua dependência de dólares americanos
    Xi Jinping, presidente da China: o país quer diminuir sua dependência de dólares americanos (Andrej Cukic/EPA/EFE)

    Do lado dos investidores, os analistas afirmam que a procura tem se mantido estável e que a eventual queda dos juros nos Estados Unidos poderá ser um gatilho para uma migração para o ouro — o que provavelmente elevaria os preços ainda mais. “Se eu tivesse que olhar apenas para a situação nos Estados Unidos, de juros altos, eu estaria short (posição em que se ganha com a queda) no ouro, mas a questão geopolítica, o problema dos imóveis na China e a possibilidade de corte de juros americanos são impulsionadores para o ouro”, diz o gestor do fundo multimercado. Ele conta que seu fundo está comprado (posição em que se aposta no aumento dos preços) em ouro.

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    Para investidores individuais, o acesso a investimentos no precioso metal se restringe à participação em fundos multimercado, que podem reservar parte de seu portfólio a esses ativos, e em ETFs — como são chamados os fundos de investimentos atrelados a índices de referência — que replicam o desempenho do ouro. Outra estratégia comum no mercado financeiro, segundo analistas consultados por VEJA NEGÓCIOS, tem sido apostar diretamente nas ações das mineradoras, que, impulsionadas pelos recordes recentes do ouro, voltaram a desempenhar bem, após meses esquecidas pelos investidores. Nos Estados Unidos, o ETF VanEck Gold Miners, que acompanha a performance das principais mineradoras do mundo, subiu 21% no ano — até março, o retorno era negativo em 10%. Ao que parece, o mundo vive agora uma nova corrida pelo ouro.

    Publicado em VEJA, maio de 2024, edição VEJA Negócios nº 2

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