Após aprovação na Câmara dos Deputados neste mês, será discutido no Senado o projeto de lei complementar n. 146/19, que cria o Marco Legal das Startups. Com ele, pretende se criar um ambiente de negócios mais favorável para o empreendedorismo inovador no Brasil. Seu balanço é muito positivo, mas como fazer para aumentar seu grau de ambição?
O chamado Marco Legal é, na realidade, um conjunto de alterações legislativas. Algumas delas têm caráter desburocratizante, como aquela que autoriza as sociedades anônimas cujo faturamento respeite certos limites a terem apenas um diretor, realizarem publicações legais pela internet e substituírem livros tradicionais por registros eletrônicos – o que gera redução de custos, permitindo que startups optem esse tipo societário, preferido pelos investidores. Outras buscam conferir a estes últimos maior proteção, ao procurar impedir que sejam atingidos pela desconsideração da personalidade jurídica das startups por eles investidas, excluindo sua responsabilidade em arcar com as dívidas daquelas e evitando, assim, pôr em risco seu patrimônio. Medidas como essas devem contribuir para intensificar o fluxo de dinheiro direcionado a esse ecossistema.
Há, ainda, disposições que têm por objetivo adequar a legislação à realidade das startups. Uma delas, que deriva do reconhecimento de que a regulação caminha mais lentamente do que a inovação, sendo por isso necessário evitar que a falta de adequação da primeira impeça que a segunda floresça, é a adoção do “sandbox regulatório”. Por ele, os órgãos competentes de determinados setores poderão estabelecer condições especiais simplificadas para as startups, autorizando-as temporariamente a testar tecnologias experimentais e desenvolver modelos de negócios inovadores.
Outra, que facilitará a participação de startups em licitações, é a criação de um regime especial de contratação de soluções inovadoras pela administração pública, que, com isso, passa a contar com a capacidade criativa dessas empresas para cumprir com suas funções. Esse regime prevê a dispensa da apresentação de parte da documentação de habilitação ou da prestação de garantias, bem como o pagamento antecipado de parcela do preço contratado, o que propiciaria à startup os recursos necessários para dar início ao projeto.
Ainda nessa linha, destacam-se as disposições que tratam das opções de compra de ações (stock options), prática já adotada pelo mercado, mas que teria a ganhar com um tratamento trabalhista e tributário mais claro e realista – algo que ainda pode ser aprimorado no projeto. Por meio dessas opções, empresas que normalmente não contam com recursos suficientes para remunerar satisfatoriamente seus colaboradores – caso das startups que estão no início de suas atividades e dependem de mão de obra qualificada – podem contar com esse instrumento para atrair e reter talentos.
Muitas das disposições do Marco Legal se aplicam ou deveriam se aplicar a todas as empresas, não apenas às startups, especialmente aquelas relacionadas à redução da burocracia e aumento da segurança jurídica dos negócios no Brasil, o que também teria a consequência positiva de atrair mais investimentos estrangeiros. É preciso, até mesmo, ter cuidado para que não se dê a entender que algumas dessas regras – como aquelas referentes à proteção dos investidores –, ao se destinarem expressamente às startups, não devem ser observadas com relação a outras empresas.
Porém outras, para serem economicamente viáveis, dependem de restringir o universo de empresas beneficiadas, evitando um impacto negativo sobre as contas públicas. Com essa finalidade, o projeto afirma que serão enquadradas como startups apenas empresas que se autodeclararem inovadoras e que preencham duas condições objetivas: faturarem menos de R$ 16 milhões anualmente e estarem registradas há menos de 10 anos. Apesar dessa limitação, o número de empresas abrangidas ainda é visto por muitos como grande o suficiente para que algumas ideias tenham sido barradas na elaboração do projeto ou na votação na Câmara, como a isenção de taxas de constituição e encerramento de empresas, proposta por meio de emenda e não aprovada.
Ora, o sentido de se conceber uma definição de startups deveria ser o de permitir que se conferisse a quem empreende ou investe nesse tipo de empresa alguma vantagem que seria impossível estender a todas as demais – caso, por exemplo, de incentivos fiscais. E é exatamente em relação a esse ponto que o projeto é mais tímido.
Em princípio, entretanto, nem todos reagem bem à tentativa de se estabelecer um conceito de startup que imponha limites mais restritos ou um maior número de condições objetivas para enquadramento das empresas no Marco Legal. É compreensível, porque boa parte das startups poderia ficaria de fora, o que inclusive causaria um efeito menor sobre a economia do que o pretendido pelo projeto.
Para aumentar o grau de ambição do Marco Legal, será preciso enfrentar esse dilema. A solução para isso pode passar, primeiro, por aprofundar uma divisão que o projeto já traz, prevendo que certas disposições se aplicariam a todas as empresas – o que favoreceria indiretamente as startups – e outras se destinariam especificamente a empresas enquadradas em uma categoria. Feito isso, será necessário encontrar o equilíbrio que possibilitará conferir benefícios mais significativos a essa categoria sem causar um rombo nas contas públicas, o que passa pelo número de empresas atingidas e, portanto, pela forma como as startups serão definidas. Não é uma missão simples, mas seu sucesso pode trazer a resposta que permitirá aperfeiçoar algumas das disposições do projeto atual e adotar novas iniciativas que impulsionem o ecossistema da inovação, provocando uma onda de crescimento no País.
*Eduardo Felipe Matias é sócio de NELM Advogados, doutor em Direito Internacional pela USP e coautor do estudo Sharing Good Practices on Innovation