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Zuzu Angel: moda-protesto é lembrada em seu centenário

Coleção que denunciou a tortura e o desaparecimento de seu filho, Stuart Angel, segue mais atual do que nunca

Por Melina Dalboni
5 jun 2021, 10h00
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  • Moda e política não costumam dividir a mesma passarela. Ainda hoje, há poucos estilistas – entre eles, a inglesa Vivienne Westwood – que transformam suas criações e seus desfiles em plataforma de expressão de opiniões contra o sistema de poder. No Brasil, com exceção de Ronaldo Fraga e daqueles que estampam frases de efeito em camisetas de malha – não é diferente. Neste cenário, a estilista Zuzu Angel, que completaria 100 anos em 5 de junho, continua a ser uma mártir solitária, assassinada em 1976 por se posicionar contra o regime militar. Sua coleção-protesto, que denunciou a ditadura no Brasil e o desaparecimento de seu filho, Stuart Angel (1946-1971), está mais atual do que nunca. “A motivação dela era muito forte. Sua expressão artística foi usada como uma forma de lidar com o desaparecimento do filho”, explica Maya Marx, professora de história e cultura da moda do Istituto Europeo di Design.

    Para celebrar a data, por conta das restrições pandêmicas, há poucos eventos – bem menos do que seria possível em tempos normais de aglomerações e semanas de moda. No dia 5, uma leitura dramática, seguida de debate da peça “Eu, Zuzu Angel, agora milito”, será apresentada às 16h, no Youtube. Ao longo do ano, o Departamento de Artes e Design da PUC-Rio, em parceria com o Instituto Zuzu Angel, vai homenagear o centenário com palestras, filmes e projetos de alunos. Este mês, haverá também uma exposição em Curvelo (MG), cidade natal da estilista. Em novembro passado, na edição virtual da São Paulo Fashion Week, Ronaldo Fraga evocou a coleção “Quem matou Zuzu Angel?”, lançada por ele em 2001 como um manifesto. Em um fashion film, o estilista mineiro criou um encontro imaginário com Zuzu para lhe contar sobre o Brasil de Jair Bolsonaro. Em cena, Ronaldo fala: “Zuzu, as notícias não são boas. Não está tudo bem. Adoraria dizer que valeu uma mãe perder o filho, valeu lutar e gritar sozinha diante de um espaço vazio. Mas nós estamos no mesmo lugar. Os seus inimigos estão no poder”.

    Cinquenta anos do desfile-protesto

     

    O ano de 2021 também é o dos 50 anos da morte de Stuart, militante político do MR-8, e do desfile-protesto apresentado pela estilista em Nova York, na casa do cônsul brasileiro Lauro Soutello Alves. O momento marcou a história da moda e do Brasil, quando Zuzu usou a imaginação, a poesia, o desespero e a dor para denunciar a violência nos porões da ditadura. 

    Stuart foi preso em 14 de maio de 1971, torturado e assassinado no dia seguinte pelo regime militar. A coleção que a estilista lançaria neste mesmo ano era inspirada em desenhos naïf de traços inocentes e coloridos, mas mudou. A dor e a luta em busca do paradeiro e do corpo de seu filho atravessaram os limites do ateliê de costura: ele bordou em delicados vestidos e batas de linho branco tanques, soldados com chapéu de papel, o sol visto por trás de grades e lança-bombas. Ao final da apresentação, como se reivindicasse o corpo do filho com seu luto, Zuzu surge vestida de preto, com o colar de um anjo de asas quebradas, representando Stuart, e um cinto repleto de crucifixos, numa referência a todos os mortos pela ditadura militar no Brasil. O protesto performático surpreendeu os convidados e ganhou espaço na imprensa internacional, enfurecendo os generais. 

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    Em uma carta enviada no mesmo ano a Thomas Dine, secretário do senador americano Frank Church, Zuzu explicou o percurso e a motivação da coleção: “Há quatro meses, quando comecei a pensar nela, eu me inspirei nas flores coloridas e nos belos pássaros do meu país. Mas, então, de repente, esse pesadelo entrou na minha vida e as flores perderam o colorido, os pássaros enlouqueceram e produzi uma coleção de cunho político. É a primeira vez em toda a história da moda que isso acontece”. Para a jornalista Hildegard Angel, filha da estilista e fundadora do Instituto Zuzu Angel, a moda de protesto criada pela mãe não era bélica: “É uma roupa gentil, triste, com aqueles bordados infantis. É a perspectiva de uma criança diante do horror e da dor”.

    A partir do desaparecimento do filho e do desfile-protesto, Zuzu se tornou uma das vozes mais contundentes contra o regime militar, articulando e denunciando políticos, diplomatas e órgãos internacionais. Dois meses antes de morrer, ela conseguiu entregar a Henry Kissinger, então secretário de Estado dos Estados Unidos, um dossiê sobre a morte de Stuart. “Sua luta pela justiça e pela reparação através da moda lhe confere o merecido respeito e reconhecimento por ela e por sua trajetória. Através de sua coragem e de suas criações, fez com que os lamentáveis acontecimentos no Brasil, àquela época, ganhassem, definitivamente, atenção e repercussão nacional e mundial”, observa a pesquisadora e especialista em moda e comportamento Paula Acioli.

    Zuzu Angel: “Eu sou a moda brasileira”

     

    Mineira, Zuleika – a Zuzu – estreou na moda em 1966 com uma série de saias feitas com tecidos ditos ordinários, muitos deles estampados. Como não tinha capital de investimento, ela transformava materiais cotidianos em roupas, dando-lhes novos significados – o que é hoje chamado de upcycling.  Panos de colchão viravam saias. Toalhas de mesa, vestidos. “Mamãe era uma artista forjada pelas necessidades e pela dificuldade. Ela não tinha dinheiro, então, transformava criativamente os materiais”, lembra Hildegard Angel.

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    Alguns dos vestidos icônicos da estilista Zuzu Angel
    Alguns dos vestidos icônicos da estilista Zuzu Angel (Wikipedia/Reprodução)

    A apropriação de símbolos da cultura popular e regional também marcaram sua trajetória, especialmente com a coleção inspirada em Lampião e Maria Bonita. Entre os materiais, renda renascença, turbantes, figas, bordados artesanais e contas de jacarandá. Pioneira no resgate da identidade brasileira através da moda, Zuzu costumava dizer: “Eu sou a moda brasileira”. Suas criações tiveram grande repercussão internacional mesmo antes do desfile-protesto. Evidenciando a identidade do país, sua marca chegou a ocupar todas as vitrines da loja de departamentos Bergdorf Goodman, na Quinta Avenida, em Nova York. Desde de suas primeiras coleções, ela rompeu com padrões e propôs uma roupa funcional, prática e moderna.

    Zuzu morreu em 1976 em um acidente controverso. A versão oficial diz que ela perdeu o controle do carro após dormir na direção. Amigos e familiares nunca acreditaram. Um bilhete escrito pela estilista uma semana antes já anunciava seu medo quanto à própria vida, que seria concretizado: “Se eu aparecer morta, por acidente ou outro meio, terá sido obra dos assassinos do meu amado filho”.  O prenúncio foi entregue a Chico Buarque, que no ano seguinte compôs “Angélica” (1977), em sua homenagem. A confirmação e o reconhecimento em certidão de óbito de que ela foi assassinada só ocorreu em 2019. Nos documentos oficiais, agora, consta “morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro, no contexto da perseguição sistemática e generalizada à população identificada como opositora política ao regime ditatorial de 1964 a 1985”. 

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