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União será desonerada se SP assumir Cinemateca, diz ex-ministro da Cultura

Atual secretário especial de Cultura de SP, Sá Leitão diz que governo estadual está disposto a investir 16 milhões de reais ao ano na instituição

Por Felipe Mendes Atualizado em 11 ago 2021, 10h11 - Publicado em 11 ago 2021, 06h00
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  • Último ministro da Cultura do Brasil, durante o governo de Michel Temer, o carioca Sérgio Sá Leitão, de 54 anos, tem buscado alternativas para a gestão da Cinemateca Brasileira. Como secretário especial de Cultura e Economia Criativa no governo de João Doria (PSDB), em São Paulo, Sá Leitão encaminhou um ofício ao governo federal, no dia 2 de agosto, com uma proposta de administração compartilhada entre o governo estadual e a prefeitura da capital paulista. Desde que a Associação Roquette Pinto (Acerp) entregou as chaves do espaço, em agosto de 2020, a pedido do Ministério do Turismo, o espaço não teve mais atividades ou rotina de manutenção. Uma inspeção visual foi realizada pela Defesa Civil da cidade de São Paulo na terça-feira, 10. Com sede na Vila Clementino e com um galpão na Vila Leopoldina, a situação da Cinemateca virou uma sucessão de capítulos tristes, como um incêndio no fim de julho. Para Sá Leitão, trata-se de um “descaso” protagonizado pelo governo federal.

    O senhor enviou um ofício no qual solicitava a cessão da Cinemateca ao governo de São Paulo. Como está esse pedido? Nós enviamos, na segunda-feira da semana passada, o ofício formalizando a proposta de cessão da Cinemateca. Na terça-feira, nós recebemos uma mensagem de confirmação de recebimento tanto por parte do Ministério do Turismo quanto do secretário especial da Cultura [Mario Frias]. Neste ofício, nós passamos os nossos contatos e nos colocamos à disposição para aprofundarmos o assunto. Desde então, não tivemos mais nenhum contato.

    O governo estadual estipulou uma data para a resposta? Não. É uma questão que não depende da nossa vontade. Hoje, a Cinemateca pertence ao governo federal. Essa questão da cessão depende de um ato de vontade da União. Mas nós estamos trabalhando com um prazo de 15 dias. Passando isso, se não tivermos nenhuma resposta, vamos entrar em contato novamente.

    O governo de São Paulo já realizou algum estudo mais aprofundado sobre as condições do galpão na Vila Leopoldina e da sede localizada na Vila Clementino? Quanto deveria ser investido para recuperar o espaço e fazer a manutenção necessária? Nós estamos trabalhando com os relatórios que foram feitos pela associação de funcionários que trabalhavam na Cinemateca por meio da Acerp (Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto). A associação fez um levantamento e um apontamento dos riscos e do que seria necessário fazer no espaço. Sem fazer um exame mais profundo, visitando a Cinemateca com engenheiros e arquitetos, é difícil estimar o que será necessário em termos de investimento. Agora, nós temos uma estimativa do custeio que seria necessário para que a Cinemateca possa desempenhar a contento suas atividades de preservação, de difusão e de capacitação, além de prestar os serviços também para o setor.

    Qual o valor estimado desse custeio? Seriam quatro eixos de atividades, pelos quais nós estimamos a necessidade de uma arrecadação de 16 milhões de reais por ano. Imaginamos que isso poderia ser oriundo da seguinte forma: 12 milhões de reais por meio de recursos do governo do estado de São Paulo, e os 4 milhões de reais restantes viriam por meio de patrocínios, de doações, de pagamentos por prestação de serviços, como venda de ingressos, e outras receitas, como aluguel do espaço. Fora isso, certamente há a necessidade de um investimento. Mas, para estimar isso, só é possível indo lá com especialistas para fazer um orçamento mais detalhado.

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    Hoje, a aferição das condições do local é proibida? A Cinemateca está fechada desde que a Acerp saiu. E olha que a associação ficou atuando no espaço por seis meses além do previsto no contrato com o governo federal sem receber recursos para isso, justamente para não colocar a Cinemateca em risco. A situação ficou insustentável, até que o governo federal exigiu que eles entregassem as chaves.

    Enquanto isso, o acervo da Cinemateca, com mais de 42 mil filmes e um milhão de documentos, que são altamente inflamáveis, continua correndo riscos pela falta de manutenção… Sem dúvida. Hoje, nós temos um duplo risco. O primeiro é em relação à Cinemateca da Vila Clementino, que continua fechada, sem manutenção e sem atividade. O segundo risco é em relação ao galpão da Vila Leopoldina. Toda vez que se combate um incêndio, é preciso fazer um trabalho de rescaldo, que consiste basicamente em retirar do local todo o acervo que pode ser salvo e tentar ver o que mais pode ser preservado, além de fazer as obras de escoramento para que não haja nenhuma possível consequência posterior ao incêndio. Isso não foi feito. O acervo que foi salvo continua exposto a intempéries e a consequências do próprio incêndio. O acervo que foi salvo do incêndio ainda está correndo risco.

    A despeito das cópias digitais de filmes, muitos documentos se perderam com o incêndio, certo? Sim. Havia basicamente cópias, equipamentos e documentos. Esses documentos também são uma perda relevante, porque fazem parte da história do cinema e das políticas públicas. São documentos de instituições públicas, um material riquíssimo. É claro que o impacto poderia ter sido ainda maior se os bombeiros não tivessem sido tão eficazes no controle ao fogo. E poderia ter sido pior se fosse na Vila Clementino, onde é localizada a principal parte do acervo. Mas ainda assim foi um prejuízo considerável. Agora é preciso fazer esse trabalho de rescaldo com profissionais gabaritados para preservar o que sobreviveu ao incêndio.

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    Na segunda-feira 9, uma publicação do portal UOL trouxe a informação de que o galpão da Vila Leopoldina foi construído sobre um antigo lixão. O senhor já tinha conhecimento disso? Como isso impacta no processo de recuperação do terreno? É uma informação que eu não tinha. Toda vez que você descobre que algo foi feito sobre um lixão, você tem que visitar o local imediatamente e fazer um trabalho de descontaminação. Se ele não foi feito, quando a Cinemateca se instalou lá, terá de ser feito agora. É um elemento a mais no imbróglio.

    Como funcionaria a gestão do espaço pelo governo de São Paulo? Abriria uma licitação para alguma organização da sociedade civil gerir o local? Nós temos cerca de 60 instituições culturais, as quais nós chamamos de ecossistema de cultura do governo do estado de São Paulo, e nós temos dois modelos de gestão, por meio de uma organização social (OS) ou por uma fundação. Nesse segundo modelo, nós temos contratos com a Fundação Padre Anchieta, no caso da TV e da rádio Cultura, e com a Fundação Memorial da América Latina. Fora isso, nós temos contratos de gestões com 18 organizações sociais. A princípio, nós acreditamos que o modelo mais adequado à Cinemateca é o modelo de gestão por uma organização social. Então, a nossa ideia seria, assim que assumíssemos o controle da Cinemateca, fazer uma seleção pública de uma organização credenciada no âmbito do estado, que fosse especializada na gestão de instituições culturais. E faríamos um contrato de gestão que estabeleceria as diretrizes, as metas e o plano de trabalho. Esse seria o primeiro passo.

    Esse processo demoraria? Não. Na verdade, nós podemos fazer isso muito rapidamente, porque temos o know-how, uma vasta experiência nisso. Queremos é que a Cinemateca tenha o mesmo padrão de excelência que hoje é visto na Pinacoteca de São Paulo, no Museu da Língua Portuguesa, no Museu da Imagem e do Som e em tantos outros que fazem parte do estado.

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    Caso não haja um acordo com o governo federal, qual seria o próximo passo do estado em busca de uma resolução? Nós estamos avaliando o que mais é possível fazer, inclusive com a ajuda da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, para entendermos se cabe alguma medida judicial. Além disso, estamos mobilizando a bancada de São Paulo, os senadores e os deputados, para que eles assumam essa bandeira da salvação da Cinemateca Brasileira no âmbito do Congresso. Ainda estamos avaliando quais seriam os passos na hipótese de uma ausência de resposta ou de uma resposta negativa. O fato é que, claramente, para o governo federal, a Cinemateca é um problema. É assim que o governo federal enxerga, como um problema que ele não sabe como resolver. Nós estamos oferecendo uma solução, que, para o governo federal, é gratuita. Vamos desonerar o governo federal não só da responsabilidade em relação à gestão, mas também do custo de manutenção e de investimento. A princípio, se eu estivesse no governo federal e enxergasse a Cinemateca como um problema, como parece ser o caso atualmente, eu veria essa oferta com ótimos olhos.

    Parece que o problema não é só em relação à Cinemateca, certo? Há um completo descaso. É só ver o que o governo federal fez com o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e com o Ibram (Instituto Brasil de Museus). É só verificar a situação dos museus federais. Estão todos em péssimo estado, com problemas sérios de falta de funcionários e redução dos recursos, que já eram ínfimos. Hoje, o governo repassa para 30 museus federais o equivalente ao que nós repassamos para cinco museus nossos. O principal museu federal em São Paulo é o Lasar Segall, que está numa situação muito ruim, quase fechando por falta de funcionários. Há quanto tempo não se ouve falar do Lasar Segall? Nada acontece lá.

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