O K-pop, um dos fenômenos de nosso tempo, umbilicalmente atrelado ao YouTube e ao Spotify, nasceu na Coreia do Sul e de lá se alastrou pelo mundo. Não é complicado identificar os vetores da febre juvenil: adolescentes sul-coreanos com roupas bem cortadas e coloridas, cabelo de corte assimétrico e pele de boneco de cera — reunidos em bandas que espalham hits adesivos, de batida eletrônica repetitiva, filhos de um sucesso de 2012, Gangnam Style. No ano passado, a coisa toda faturou algo em torno de 5 bilhões de dólares. Se ainda assim é difícil identificá-los, convém citar dois nomes de grupos: o BTS, de meninos; e o Kara, de meninas. No domingo 24, esse mundo sofreu um baque — a cantora Goo Hara, de 28 anos, ex-estrela do Kara, foi encontrada morta em sua casa, em Seul. A polícia acredita em suicídio. Na véspera, ela publicara uma foto no Instagram, deitada na cama, e uma única frase como comentário: “Durmam bem”. A morte aconteceu pouco mais de um mês depois de a ex-vocalista do grupo f(x), Sulli, ter se matado. Devastada, Goo Hara comentou em vídeo: “Vou viver de modo duas vezes mais diligente, agora que você se foi. Queridos fãs, não se preocupem. Ficarei bem”.
Não foi o que aconteceu, e a epidemia de suicídios entre personalidades do K-pop deflagrou ruidosa reação na Coreia do Sul e em outras partes do mundo, ao escancarar o lado sombrio do sucesso. Ostensivamente vigiados pelos fãs, os astros do gênero são treinados desde a infância — e perdem o posto quando crescem, mudam de voz ou postura. A pressão é permanente. “Desde a meninice vivem uma vida mecânica, submetidos a treinamento espartano”, diz o jornalista Lee Hark-joon, autor do livro K-pop Idols: Popular Culture and the Emergence of the Korean Music Industry (Ídolos do K-pop: Cultura Popular e a Emergência da Indústria Sul-Coreana de Música). “A queda pode vir de modo tão súbito e dramático quanto a ascensão ao pico da fama.” Dias antes de morrer, Goo Hara admitiu, depois de muita cobrança, ter feito uma cirurgia para corrigir olhos caídos e lamentou, a caminho do terrível desfecho: “As coisas não são fáceis para as pessoas que entretêm o público, como eu — nossa vida pessoal é mais esquadrinhada que a de qualquer outra pessoa, e sofremos dores de um tipo que não pode nem ser discutido com a família e amigos”. É tristemente real.
Publicado em VEJA de 4 de dezembro de 2019, edição nº 2663