Como foi a experiência de viver o serial killer Francisco de Assis — que matou pelo menos sete mulheres em São Paulo na década de 1990 — no recém-lançado filme Maníaco do Parque? O mais difícil foi não me envolver emocionalmente, para enxergá-lo com a visão de artista e fora do imaginário coletivo da sociedade. Tive de construir três personalidades: a do homem Francisco, a do patinador Chico Estrela e a do maníaco do parque. E é duro viver um assassino. Busquei juntar todos os elementos possíveis para elaborar esse personagem.
O longa tenta desconstruir a imagem de que ele era uma espécie de “Don Juan” que seduzia suas vítimas, como era noticiado na época. Como espera que o público reaja ao filme? Para mim, é importante que o espectador perceba que não é culpa da vítima. Espero que entenda como aquelas mulheres foram envolvidas por ele, como ele entrava na mente delas. Uma coisa que nós queríamos fazer era reparar as vítimas, porque, lá atrás, julgaram muito as mulheres que caíram na armadilha do Francisco, questionavam por que elas entravam na mata com ele. Não é essa a questão. Espero que vejam quais eram os artifícios usados pelo maníaco.
Você teve papéis LGBTQIA+ em novelas da Globo, como a drag queen de A Força do Querer (2017) e o mordomo gay de Pantanal (2022). Sentiu-se confortável em aceitar um papel tão diferente dos anteriores? Foi muito surpreendente para mim a produção me convidar para fazer esse personagem. Eu tinha receio de que o fato de me posicionar como um integrante da comunidade LGBTQIAPN+ na vida real me fizesse receber somente propostas de personagens daquele universo. Então, fiquei feliz por esse convite para fazer o maníaco do parque — um papel que, além de ser meu primeiro protagonista, é completamente diferente de mim, que sou gay e nordestino. É tudo o que um ator quer poder fazer.
Acredita então que faltam mais oportunidades ousadas para atores como você? Por muitos anos, o mercado audiovisual achou normal pessoas heterossexuais interpretarem personagens LGBTQIA+. Se é assim, por que o contrário não pode ser normal também? Afinal, estamos falando de ofício, e um artista pode construir uma persona completamente diferente da dele.
Você saiu de Mombaça, no interior do Ceará, e construiu uma carreira no teatro, na TV e no cinema, especialmente com Bacurau (2019). Como reflete sobre essas conquistas? Vim de uma família muito humilde e, hoje, tenho minha casa própria, independência financeira e estou me permitindo viver da minha maneira. Sou muito grato.
Publicado em VEJA de 18 de outubro de 2024, edição nº 2915