“Ser pai é difícil”, diz Brian Cox, o Logan Roy da série ‘Succession’
Aos 76 anos, o ator escocês analisa o personagem e fala sobre riqueza e desigualdade
Logan é o patriarca mais famoso e assustador da TV atualmente. Como analisa as habilidades dele como pai? Ser pai é muito difícil. Nosso jeito de criar os filhos é proveniente da experiência que tivemos com os nossos pais. Logan teve de aprender a cuidar de si muito cedo. Não teve pai e mãe para protegê-lo, sofreu abusos de um tio. O irmão mais velho dele conseguiu superar, mas ele não. Por isso se tornou uma pessoa amarga e nervosa. Eu me identifico com o Logan.
Como assim? O passado dele foi mais traumático que o meu, sem dúvida, mas o meu foi difícil também. Meu pai morreu quando eu tinha 8 anos e minha mãe sofria de problemas mentais, então eu fui um órfão. Quem cuidou de mim foi uma irmã mais velha — que morreu recentemente, aliás, e isso mexeu muito comigo. Ela era a única pessoa constante na minha vida, era minha rocha. E ela nunca me obrigou a ser nada, só me amou e me deixou ser o que eu quisesse na vida. Então, também aprendi a cuidar de mim muito cedo.
O senhor ainda não disse, afinal, o que acha das habilidades de Logan como pai. Bem, basicamente acho bem ruins. Mas volto a dizer que ele não tinha ferramentas para ser um pai melhor. Ele acha que ser firme e dar aos filhos o que eles querem é suficiente. E, convenhamos, Logan criou um império do zero e agora vê que os quatro filhos não vão cuidar disso direito. Eles são jovens avarentos. Sem falar que os quatro não conseguem sair da sombra do pai — e isso me cansa.
Em que sentido? Se fala muito sobre o modo como somos afetados por nossos pais. Claro que temos essa influência, mas chega uma hora em que todos temos de assumir nossas responsabilidades como adultos. Não dá para culpar pai e mãe a vida toda.
Como o fato de se tratar de um clã bilionário afeta a relação de Logan com os filhos? De fato, Succession é uma sátira sobre a riqueza. Mas a essência da série reside no fato de ser uma saga sobre a família. Esse elemento é o que mais me atrai na trama.
Como foi mergulhar nesse mundo de riqueza extrema? Isso me fez ver como é um problema da sociedade. Os ricos estão ficando mais ricos e intocáveis, e os pobres, mais vulneráveis. E quem está no topo se torna um cínico. Logan é um cínico. Mas ainda acho ele melhor do que um Donald Trump, que é a avareza ambulante — e um exemplo de como o dinheiro corrompe.
Publicado em VEJA de 5 de abril de 2023, edição nº 2835