“A primeira grande romancista millennial”, cravou o New York Times em 2018 sobre uma escritora que então lançava apenas sua segunda obra. O livro se chamava Pessoas Normais, uma modesta história de amor, e a autora era Sally Rooney, irlandesa que não havia sequer chegado à terceira década de existência. Hoje, o elogio do jornal americano soa profético — e incontestável. Aos 33 anos, ela já vendeu mais de 1 milhão de cópias daquela trama, convertida em 2020 numa minissérie da BBC que lançou os astros Paul Mescal e Daisy Edgar-Jones. Mesmo caminho televisivo seguiu seu romance de estreia, Conversas entre Amigos. Desde então a prolífica Sally escreveu mais dois: Belo Mundo, Onde Você Está e Intermezzo, recém-lançado no país pela Companhia das Letras. Em todos, se mantém fiel a uma tarefa literária espartana: retratar a juventude de Dublin sem exigir nada mais grandioso que seu cotidiano.
Pessoas normais – Sally Rooney
Sally prefere protagonistas que tenham amadurecido na era do Tigre Celta — crescimento exponencial da economia irlandesa, entre 1995 e 2007. Mais que pelas inovações do período, eles são conectados pela decepção que compartilham com a recessão que contraiu o PIB e inflou o desemprego após a bonança. A esperança roubada acaba sendo um tema universal: é, afinal, um mal que assola qualquer humano que inicia a vida adulta em meio à crise climática, à epidemia de transtornos mentais ou à instabilidade política na era digital. Para os personagens da escritora, é difícil imaginar um amadurecimento regrado, com casamento, moradia e filhos — caminho que se torna mais inatingível a cada geração. Cerebrais, seus protagonistas vagam pelos 30 e poucos com grandes incertezas.
Conversas entre amigos – Sally Rooney
Intermezzo, seu título mais recente, traça duas jornadas paralelas: a de um advogado de 32, e a de seu irmão dez anos mais novo, logo após a perda do pai. O título faz referência às breves peças musicais que ocupam o intervalo das óperas. É justo: apesar de escrever enredos lineares, Sally não tem interesse nenhum na ideia de progressão ou crescimento convencional, realçando a importância de momentos fortuitos na vida dos personagens.
Belo mundo, onde você está – Sally Rooney
Na contramão de um traço comum em sua geração — o narcisismo —, Sally nega qualquer intenção autobiográfica. Ela se diz desinteressante e, fora da ficção, só se pronuncia sobre questões políticas que a afligem, da guerra em Gaza ao aborto. Outro fator que a torna única é a ambição de ser vista como intelectual, e não uma celebridade das redes sociais, em contraste com a lógica editorial de hoje. Com isso, a musa millennial alcança algo raro: tornou-se uma autora best-seller falando aos jovens com extrema honestidade.
Publicado em VEJA de 27 de setembro de 2024, edição nº 2912