Compensa enfrentar a multidão que se engalfinha diante da espantosa tela A Ronda Noturna para sorver cada detalhe da obra que marcou o apogeu técnico de Rembrandt (1606-1669), grande mestre da pintura holandesa. Soberano em uma das salas do Rijksmuseum, em Amsterdã, o monumental quadro, de quase 4 metros de altura e mais que isso de comprimento, desperta encantamento pelo uso primoroso da luz (e da ausência dela), projetada à moda barroca sobre um grupo de milicianos — nada a ver, é bom lembrar, com o conceito brasileiro. No século XVII, em que foram retratados, esses eram homens de alto prestígio social e político que defendiam a cidade, e pagaram um caminhão de florins para eternizar-se no óleo de Rembrandt. O passar do tempo e três ataques ao quadro — golpeado por um sapateiro, mais tarde esfaqueado e finalmente atingido por ácido — tornaram necessária uma restauração minuciosa, que começou na segunda-feira 8.
O trabalho será realizado sem a retirada da pintura para a área técnica e traz um charme que o conecta aos dias de hoje: além de visível aos visitantes do museu, que assistem ao restauro através de um vidro, ele poderá ser acompanhado em tempo real pela internet. Com duração estimada em pelo menos um ano, a empreitada contará com modernos procedimentos para reavivar a obra-prima e, de bônus, revelar o processo criativo por trás de A Ronda Noturna, que — aí vai uma curiosidade — não mostrava uma cena após o pôr do sol, como o título sugere. Um século depois de pronta, a tela foi rebatizada porque o verniz escurecera as figuras, sem nunca, no entanto, ter ofuscado o toque do gênio que as concebera.
Publicado em VEJA de 17 de julho de 2019, edição nº 2643
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