Afeitos a rituais de pompa e circunstância, os imortais da Academia Brasileira de Letras alimentam a cada eleição uma intensa articulação de bastidores, em que os postulantes devem cumprir um processo de beija-mão imprescindível para a escolha. Jô Soares, que jamais conseguiu ser eleito para a casa de Machado de Assis, retratou esse ritual com fino humor no livro Assassinatos na Academia Brasileira de Letras. No momento, uma nova controvérsia mobiliza os chás e conversas entre os integrantes da ABL: a entrada de um autor que não faz literatura ao modo tradicional — o quadrinista Mauricio de Sousa — na disputa pelo fardão da academia.
O atual presidente da ABL, o jornalista Merval Pereira, percebeu que a ABL precisava se tornar mais popular e atrair a atenção dos mortais. Em vez de prestigiar só intelectuais respeitados mas sem projeção além do meio literário, ou premiar figurões manjados do poder como José Sarney, a instituição centenária deveria se abrir a artistas queridos do grande público. As últimas eleições foram para lá de badaladas e ajudaram a revitalizar os corredores do Petit Trianon com a escolha de um músico, Gilberto Gil, de um cineasta, Cacá Diegues, e de uma atriz, Fernanda Montenegro. Os discursos dos três, em defesa da valorização da língua portuguesa, repercutiram como nunca na imprensa.
Agora, a eleição do dia 27 de abril — na qual se disputa a cadeira 8, que foi de Cleonice Berardinelli — porá à prova um tabu diferente. O franco favorito é o criador dos gibis da Mônica, uma personagem adorada por milhões de brasileiros. Em uma simpática carta aos imortais, Mauricio defendeu sua candidatura, dizendo que seus personagens ajudaram a despertar o interesse pela literatura em várias gerações de brasileiros.
Nos bastidores, contudo, a concorrência de Mauricio de Sousa se move para minar seu favoritismo. Um dos concorrentes, o filólogo Ricardo Cavaliere, aposta em uma campanha discreta, em moldes mais tradicionais. Já o jornalista James Akel não hesitou em lançar mão de um argumento capcioso na tentativa de desqualificar o pai da Mônica. Do alto de sua autoridade como autor do livro Marketing Hoteleiro com Experiências, Akel defendeu sua candidatura à ABL em vídeo no qual saca de um velho argumento: histórias em quadrinhos não seriam literatura. Com ares de político em campanha, ele promete no vídeo criar um projeto de Feira Itinerante de Livros “de verdade” — uma ironia nem um pouco sutil.