Ele não estava para brincadeira. Em 1964, matou cinco capangas de um traficante de ouro que punha em risco as democracias do Ocidente. Em 2012, de volta à ribalta, trucidou outros três comparsas de Raoul Silva, ex-funcionário do serviço de inteligência britânico. O Aston Martin DB5, um dos mais conhecidos modelos de carro da história do cinema, fez a festa em 007 contra Goldfinger e, redivivo, em 007 — Operação Skyfall (deu as caras em outras produções, mas discretamente). Com o perdão do anátema, em algumas cenas soava mais charmoso do que Sean Connery e Daniel Craig. Nunca houve uma máquina como aquele pequeno cupê de cinco marchas, motor dianteiro e tração traseira, capaz de chegar a mais de 230 quilômetros por hora sem trepidar — e, de sobra, ostentar metralhadoras frontais, cortador de pneus e borrifador de óleo, traquitanas matadoras. As pouco mais de 1 000 unidades construídas entre 1963 e 1965 — sem as engenhocas assassinas, é claro — viraram peça de colecionador.
A boa-nova, em tempo de nostalgia, com o saudoso olhar para trás que a pandemia alimenta: a centenária fabricante de Warwickshire acaba de reposicionar o luxuoso veículo na linha de montagem. Evidentemente, um luxo para poucos. Dado o cuidado na produção de cada unidade, apenas 25 serão fabricadas em 2020, e já foram todas vendidas, por 3,5 milhões de dólares cada uma, o equivalente a 17 milhões de reais. É muito, claro, mas metade do valor pago, em leilão, pelo exemplar que desfilou nos cinemas em Goldfinger. “O DB5 É um dos brinquedos mais cobiçados de nossa marca”, diz Paul Spires, presidente da Aston Martin. Como autenticidade é vital, tudo foi cuidadosamente desenhado, carbono do original. O interior tem bancos de couro, o painel mostra a localização obtida por satélite. Houve o insólito cuidado de reproduzir também a engrenagem de autoproteção, para sair disparando contra os antagonistas.
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Clique e AssineMas, calma lá, o repertório bélico virá sem armas e, evidentemente, não poderá ser acionado. Em vez de balas de metralhadora, disparará feixes de luz e sons. Só um acessório ficou de fora: o assento ejetável. Para garantir total proximidade com o original, a Aston Martin contratou Chris Corbould, encarregado dos efeitos especiais de uma dezena de filmes da franquia inspirada de 007. Tanta verossimilhança embute dissabores. Os “novos” DB5 não poderão circular em ruas de grandes cidades e em estradas de muito movimento, por não terem sido trabalhadas com as leis de segurança moderna. Estarão restritos a caminhos vicinais, uma voltinha no quarteirão ou talvez apenas para decorar a sala (como Eike Batista fazia com um Mercedes SLR nos seus bons tempos). A bem da verdade, o que importa é dar as mãos ao movimento vintage do mercado automobilístico. Em 2017, a Jaguar investiu na linha Continuation XKSS, influenciada pela família da marca de 1957. Agora em 2020 a Porsche também decidiu reinventar um modelo dos anos 1960. Os bons tempos sempre voltam.
Publicado em VEJA de 17 de junho de 2020, edição nº 2691