O meu amor pelo mar surgiu há muito tempo. Quando era criança, ia até o ribeirão com uma vassoura e um lençol e entrava em um velha canoa. Criava um tipo de veleiro e remava até o rio, que era o meu oceano. Ao conhecer Heloisa, a minha futura mulher, descobri que ela tinha o mesmo sonho: explorar o oceano. Há 37 anos partimos em uma expedição com os nossos filhos. Pensávamos que passaríamos dois ou três anos no mar, mas acabamos velejando por uma década — e com crianças pequenas. Fomos a primeira família brasileira a circum-navegar o mundo em um veleiro. Rumamos em direção ao desconhecido, e foi a viagem mais marcante que já fizemos.
Nessa expedição, eu me apaixonei pela Polinésia Francesa. Na ilha de Tahaa, participamos de uma festa linda, com danças, comida e músicas típicas, que durou três dias. Antes de ir embora, sentei na praia e fiquei admirando a beleza do lugar. Um senhor local se aproximou e perguntou a razão da minha tristeza. Eu disse que não queria ir embora, e ele respondeu: “Por que vocês, ocidentais, sofrem tanto com o amanhã? Por que não vivem cada momento da vida com foco no agora?”. Jamais esqueci a lição.
Muita gente acha que o perigo no mar são as tempestades. Não é nada disso. A maior dificuldade está nos relacionamentos. Lidar com as mesmas pessoas em um espaço limitado por vários dias pode ser estressante. É preciso jogo de cintura. Muita gente sentiu essa dificuldade na pandemia, que exigiu o confinamento. Nós, velejadores, passamos por essa situação a vida inteira.
Sempre trouxemos imagens e relatos detalhados de nossas viagens, transmitimos as expedições mais recentes pela internet via satélite e compartilhamos nossas aventuras com o mundo. Agora, há outra história que precisamos contar. Depois de quase quatro décadas no mar, percebemos que o oceano está em risco. Fala-se muito da necessidade de preservar a Amazônia, o que é vital, mas o mar produz mais oxigênio do que todas as florestas tropicais do mundo. O oceano é de longe o grande pulmão do mundo.
Recentemente, ancoramos em uma ilha numa viagem que fizemos entre a Papua Nova Guiné e o Japão. Só depois percebemos que ela estava atolada em plástico, com garrafas, sacolas e tampinhas. Foi impactante. Eu e Heloisa vimos que era hora de fazer algo pelo mar. Criamos o projeto Voz dos Oceanos, uma parceria com a Infinito Mare, empresa do cientista ambiental Bruno Libardoni. Formamos um conselho acadêmico com os melhores oceanógrafos do Brasil. A ideia é levar a mensagem da importância da preservação dos oceanos.
Navegaremos pela costa do Brasil, pelas ilhas do Caribe, parte dos Estados Unidos, arquipélago das Bermudas, Panamá, Galápagos, Polinésia e Nova Zelândia. Passaremos por alguns pontos do mar onde o plástico mais se acumula, levado de diversos locais pelas correntes marítimas. Testemunharemos e registraremos, in loco, o que está acontecendo no oceano. Espero com isso sensibilizar as pessoas.
O programa envolve a análise de águas, o sensoriamento remoto via satélite, a obtenção de imagens por drone e a construção de um banco de dados disponível ao público e aos acadêmicos. Nós produzimos muito plástico, e tudo acaba no mar. Isso afeta a cadeia alimentar, os peixes, o clima, toda a humanidade. Vamos espalhar informações para todo o mundo. É o legado que queremos deixar. Além disso, ficaremos quatro meses na costa brasileira organizando mutirões nas praias. Pretendemos limpá-las, mostrar que o problema tem solução. É isto que almejamos: amplificar a voz do mar e fazer o mundo escutá-la. O oceano precisa de nós.
Vilfredo Schurmann em depoimento dado a Sabrina Brito
Publicado em VEJA de 10 de março de 2021, edição nº 2728