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O Brasil de Di Cavalcanti abre alas para o centenário da Semana de 22

Um dos idealizadores do movimento modernista, carioca é celebrado em mostra com gravuras que serviram como estopim para a corrente

Por Tamara Nassif Atualizado em 4 jun 2024, 13h34 - Publicado em 13 out 2021, 14h51

Em novembro de 1921, a editora Monteiro Lobato & Cia colocou em circulação uma série de dezesseis gravuras em preto e bege de Di Cavalcanti (1897-1976), o ilustre pintor carioca que se tornaria um dos principais representantes do modernismo brasileiro na Semana de Arte Moderna de 1922. A versão de Fantoches da Meia-Noite que o artista presenteou ao amigo e poeta Guilherme de Almeida (1890-1969), porém, era diferente da que foi publicada: as dezesseis pranchas estavam coloridas à mão, em vermelho, laranja, azul e amarelo, e carregavam ares de exclusividade requintada. Os retratos de figuras boêmias do Rio de Janeiro, datadas do início do século XX, cada qual sustentado por linhas de marionetes, já eram restritos aos poucos sortudos que conseguiram um exemplar (a tiragem era tão diminuta que até hoje não se sabe quantos foram publicados com exatidão); a de Guilherme de Almeida era, então, uma joia rara. Não à toa, o presente se tornou tema da exposição Fantoches da Meia-Noite – A Modernidade que Sai das Sombras, um dos prelúdios do centenário da Semana de 22, comemorado no ano que vem — mas já celebrado em eventos neste ano.

Em cartaz até 12 de fevereiro na Casa Mário de Andrade, na Zona Oeste paulistana, a mostra que ajuda a preparar o terreno do centenário remete ao embrião que viria a criar a Semana de Arte Moderna. Segundo a autobiografia de Di Cavalcanti, o lançamento da obra Fantoches da Meia-Noite reuniu o artista com Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia, Mário de Andrade, Guilherme de Almeida e Graça Aranha. O grupo passou a matutar sobre a ideia de realizar “conferências, exposições e concertos” entre cariocas e paulistas – o que daria origem ao movimento artístico que não só foi um marco na história de São Paulo, como um divisor de águas da própria cultura brasileira. Organizado por intelectuais e artistas, a Semana de 22 rompeu com correntes tradicionais, como parnasianismo, academicismo e simbolismo, para pregar a independência cultural do país. Não havia um conceito que os unisse, tampouco uma tendência estética bem definida: a intenção era destruir o status-quo e apropriar-se somente daquilo que fizesse sentido para a realidade do Brasil. Logo, Cavalcanti, com seu olhar peculiar sobre o país — uma representação do povo e da cultura que viria até a se tornar um clichê — se mostrou o um representante por excelência da nova corrente.

'Fantoches da Meia-Noite' (1921), de Di Cavalcanti, pintados à mão com tinta guache
‘Fantoches da Meia-Noite’ (1921), de Di Cavalcanti, pintados à mão com tinta guache (//.)

De traços simples e diretos, as gravuras bebiam do Expressionismo, vanguarda europeia, enquanto aludiam a cenas representativas da noite carioca, como uma prostituta, varredores de rua ou um acordeonista em busca de alguns trocados. Sustentados por fios, cada fantoche estaria ali refém do próprio destino – ou de políticos da época que, mesmo diante de um projeto de modernização da cidade do Rio de Janeiro, os largava à própria sorte. O cotidiano daqui era um tema recorrente: em cores quentes e ares tropicais, os trabalhos de Di Cavalcanti viam o Brasil a um modo exportação. De samba e sensualidade feminina a praias e operários, o artista formulou uma linguagem própria para falar de nacionalismo – e ditou o tom para que outros, como Tarsila do Amaral, percorressem caminho semelhante.

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O artista Di Cavalcanti, célebre representante do modernismo brasileiro e um dos idealizadores da Semana de 1922
O artista Di Cavalcanti, célebre representante do modernismo brasileiro e um dos idealizadores da Semana de 1922 (Instituto Moreira Salles/Reprodução)

Nascido Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque e Melo, no Rio de Janeiro, o pintor envergou para o mundo da arte na adolescência, quando, aos 17 anos, começou a trabalhar como ilustrador e caricaturista. Ao se mudar para São Paulo, para frequentar a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, Di Cavalcanti foi inserido na efervescência cultural paulista. Lá, retomou a paixão por pintura e se tornou amigo de intelectuais paulistas, como Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Guilherme de Almeida. Após a Semana de 22, frequentou academias de arte em Paris. Em contato frequente com mestres da arte moderna, como Pablo Picasso e Henri Matisse, Cavalcanti trouxe para o Brasil a influência (seleta) de vanguardas europeias, que, para além do Expressionismo alemão, também incluía o Cubismo e o Surrealismo. A volta lhe trouxe prestígio – e uma filiação ao Partido Comunista do Brasil (PCB), em 1929, às vésperas da Era Vargas. Três anos depois, o artista fundou, ao lado de Flávio de Carvalho, Antonio Gomide e Carlos Prado, o Clube dos Artistas Modernos (CAM), e foi preso durante a Revolução Paulista, que o inspirou a satirizar o militarismo em uma série de 12 desenhos batizada de A Realidade Brasileira. Morto em 1976, há de se imaginar o que Di Cavalcanti acharia do Brasil de 2021.

'Samba' (1926), representante do modernismo brasileiro, de Di Cavalcanti
‘Samba’ (1926), representante do modernismo brasileiro, de Di Cavalcanti (./.)

A exposição Fantoches da Meia-Noite – A Modernidade que Sai das Sombras faz parte de uma rica programação cultural em preparação para o centenário de 1922. Em homenagem a Di Cavalcanti, há também uma mostra no Museu de Arte Moderna em São Paulo (MAM), batizada Di Cavalcanti no MAM: 50 anos x 2, em cartaz até 12 de dezembro deste ano. Originalmente feita em 1971, na ocasião de meio século de carreira artística do pintor, a mostra ganhou uma nova montagem na Biblioteca da instituição. Confira aqui os eventos em celebração da Semana de Arte Moderna.

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