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‘Nunca me via em um livro’, diz autora indígena que conquistou os Obamas

Angeline Boulley conta o que inspirou o livro ‘A Filha do Guardião do Fogo’ – que será adaptado para a Netflix pela produtora de Barack e Michele Obama

Por Gabriela Caputo Atualizado em 27 set 2022, 09h20 - Publicado em 27 set 2022, 09h00

No thriller jovem adulto A Filha do Guardião do Fogo, best seller do The New York Times, publicado no Brasil pela Intrínseca, Daunis Fontaine é uma jovem birracial: a família da mãe é branca, e a do pai é indígena nativo americana. A autora do livro Angeline Boulley compartilha com sua protagonista a vivência dividida. Diferente dela, porém, Angeline sempre foi membro registrado de sua tribo — o povo Sault Ste. Marie de indígenas Chippewa, do Michigan, Estados Unidos – e cresceu próxima de seus parentes da comunidade Ojibwe, sua inspiração para o romance. Lá, seu pai é um guardião do fogo. “Ele foi ensinado a acender o fogo de uma certa maneira para propósitos cerimoniais. São momentos em que queremos ter certeza de que nossa espiritualidade está presente através da chama, e o guardião também deve garantir que os protocolos de comportamento sejam seguidos”, contou Angeline a VEJA. 

Ela cresceu ouvindo sobre sua cultura e sua ancestralidade – conhecimento que está em cada detalhe cuidadoso de sua narrativa. Ao longo da vida, Angeline se dedicou à educação indígena, de níveis locais a estaduais. “Trabalhei para o Departamento de Educação dos Estados Unidos em Washington DC, no escritório de educação indígena. Minha função era melhorar o ensino público dos alunos nativos americanos”, explica a autora. Outra preocupação era certificar que aprendessem corretamente sobre o povo indígena – aspecto que levou em conta na escrita do livro. Por isso, optou em focar na sua própria comunidade: “Isso faz parte do problema da representação e dos estereótipos. A melhor maneira de combatê-lo é fornecer informações tão específicas quanto possível sobre as tribos”. 

A Filha do Guardião do Fogo aborda assuntos espinhosos como luto, racismo e drogas. Daunis, aos 18 anos, acaba se tornando informante de uma investigação do FBI sobre uma nova droga que faz cada vez mais vítimas, e usa seus conhecimentos de química e da medicina tradicional Ojibwe para ajudar. A narrativa será adaptada para a Netflix pela Higher Ground, produtora de Michelle e Barack Obama. Em entrevista, Angeline analisou a questão da representatividade indígena e comentou o processo de escrita da obra. Confira:

A protagonista de A Filha do Guardião do Fogo foi em certa medida inspirada na sua própria história. Qual a importância disso? Sempre fui uma criança leitora e nunca me vi nas páginas de um livro. Queria escrever algo que gostaria de ter lido quando era adolescente, com uma protagonista nativa americana, mas que às vezes não se sente nativa o suficiente, com receio de não ser completamente aceita pela comunidade. Uma história para jovens adultos que falasse sobre cultura e identidade, mas também tivesse esse mistério muito envolvente.

Houve a preocupação de escrever para poder alcançar pessoas que normalmente não buscariam por obras com protagonismo indígena? No começo, pensei que minha primeira audiência deveria ser minha comunidade, meus filhos, meus ex-alunos. Mas sei que nos Estados Unidos pouco é ensinado sobre os nativos americanos, e essas informações são geralmente definidas pelo passado, contando uma história muito distorcida ou enviesada, que minimiza o impacto da colonização, a devastação de nossa cultura, idioma, famílias e governo. Então, sabia que tinha que pensar mais além do meu público original. 

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Como o livro foi recebido pela sua comunidade? A resposta tem sido extremamente positiva. Uma das minhas preocupações era ter a certeza de que se tratava de uma obra de ficção, e que eu não estava expondo informações negativas de maneira irresponsável. Alterei alguns detalhes para que as pessoas de lá pudessem se identificar com certas situações, mas não se sentissem ofendidas, já que a história lida com elementos difíceis. Queria mostrar a beleza de nossos ensinamentos e ainda ser sincera sobre coisas desagradáveis ​​que acontecem.

Como você analisa o problema das drogas nas comunidades indígenas, tema retratado na obra? Não acho que as drogas sejam mais prevalentes na minha comunidade do que em qualquer outra. A diferença está na aplicação da lei e na maneira como as tribos nativas americanas podem ser impedidas por leis federais que restringem a autoridade do nosso governo tribal de processar casos por nós mesmos. Nos Estados Unidos, existe esse sistema de justiça paternalista onde só o governo federal pode processar certos crimes.

Para você, o que as pessoas em geral podem fazer para ajudar na luta indígena por mais voz? Acho que por meio de histórias e do compartilhamento da verdade podemos alcançar os que não conhecem nossa realidade. Acredito que existem muitas pessoas curiosas sobre os povos indígenas e que não tiveram acesso a informações precisas nas escolas. Essa é uma das razões pelas quais a literatura, o cinema, a televisão, o jornalismo e as redes sociais podem ser um meio de refletir com precisão a vida do nosso povo. 

Por que focar suas narrativas especialmente em mulheres indígenas? Amo contar essas histórias porque essa é a mulher que sou, as mulheres que conheço da minha tribo e família, e quem quero que minha filha seja: mulheres fortes que amam a si mesmas, amam suas comunidades e querem protegê-las. E sabem que, sim, temos questões que precisam ser abordadas, mas com nossa própria voz. Meu próximo livro também será protagonizado por uma jovem indígena, que decide recuperar restos mortais de ancestrais e itens sagrados que foram retirados ilegalmente de sua comunidade e colocados em museus.

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