Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Nova tradução reafirma brilho de ‘Anna Kariênina’, do russo Tolstói

Edição atesta a atualidade magistral do escritor — e também de sua personagem, tão extraordinária quanto infeliz

Por Eduardo Wolf
Atualizado em 18 jun 2021, 10h20 - Publicado em 18 jun 2021, 06h00
  • Seguir materia Seguindo materia
  • “Que mulher espantosa, gentil e digna de pena”, pensa Konstantin Lióvin após conhecer finalmente Anna Kariênina. O encontro causara-lhe grande impressão, e Lióvin arremata o comentário a seu amigo — e irmão de Anna — Stepan Oblônski, sublinhando a última impressão deixada por aquela mulher extraordinária: “Tem um coração espantoso. Dá uma pena terrível!”. Como todo leitor de Anna Kariênina acaba sabendo, Lióvin é o alter ego do próprio autor russo Lev Tolstói. É impossível não sair da leitura das páginas em que a protagonista e o personagem que faz as vezes de escritor travam contato sem ao menos considerar que essa é a opinião de Tolstói: Anna Kariênina, sua heroína, é uma mulher extraordinária e infeliz, e seu sofrimento move o leitor na direção do espanto, da empatia, da compaixão — não da censura.

    Publicidade

    + Compre a nova tradução de Anna Kariênina

    Publicidade

    Fluente e segura, a nova tradução que os leitores brasileiros agora têm à disposição, assinada por Irineu Franco Perpetuo, é uma excelente oportunidade para novos e antigos leitores vivenciarem o romance de Tolstói — saudado por seus pares escritores desde o momento de seu lançamento até nosso tempo. O alemão Thomas Mann julgava tratar-se do “romance social mais poderoso de todos os tempos”, como se pode ler no prefácio; o francês Guy de Maupassant foi taxativo em sua reação ao livro: “Ninguém consegue escrever assim”. Não por acaso um crítico da envergadura de George Steiner reputava Tolstói como o Homero dos tempos modernos. Um Homero capaz de entregar a seu público, logo após o monumental épico Guerra e Paz (1869), um dos mais argutos e complexos romances sobre os abismos psicológicos e emocionais das relações amorosas, as dinâmicas da instituição do casamento em uma sociedade tradicional submetida à modernização e as implacáveis regras da vida social na Rússia czarista.

    MESTRE DA PALAVRA - O escritor Lev Tolstói: a história de amor que espelha a tragédia de todos nós -
    MESTRE DA PALAVRA - O escritor Lev Tolstói: a história de amor que espelha a tragédia de todos nós – (Ullstein Bild/Getty Images)

    Já a abertura do romance de 1877, uma das mais célebres da literatura universal, lança o leitor nesse entrecruzamento entre dramas individuais, relações familiares e vida social: “Todas as famílias felizes são parecidas, cada família infeliz é infeliz a seu próprio modo”. Conduzidos pela mão sensível de Tolstói, testemunhamos a “confusão na casa dos Oblônski”, em Moscou: o adultério de Stepan abala a harmonia no casamento com Dolly, e o narrador habilmente faz coincidir com essa cena inaugural do romance as entradas de seus personagens decisivos. Lióvin, amigo de longa data do marido adúltero, dirigira-se a Moscou, deixando sua propriedade rural, com o propósito de pedir em casamento a mão de Kitty, cunhada do camarada; Anna Kariênina viaja de São Petersburgo para Moscou com o propósito de ajudar a salvar o casamento do irmão e reparar sua relação com Dolly; o conde Vrônski, jovem oficial de charme inconfundível, servirá de obstáculo inconsciente à pronta felicidade de Lióvin, e do momento em que conhece Anna passará a ser como que sua “sombra” — até arrastá-la para uma das mais extraordinárias histórias de amor, paixão, saciedade e loucura de toda a literatura.

    Publicidade
    Continua após a publicidade

    + Compre a edição especial de Guerra e Paz

    Três famílias, três destinos: a íntima conexão de uma trama literária que se ergue diante dos olhos do leitor como a própria vida, como se o escritor nem mesmo se fizesse presente. Das traições de Stepan e de sua vida entregue à fanfarronice de aristocrata liberal em Moscou à profunda luta espiritual e moral de Lióvin, o personagem que mais intensa e dramaticamente representa a ética de Tolstói na busca de uma vida feliz, simples e ordenada, o romance se desdobra em uma combinação de anatomia da vida social e vigorosa interrogação filosófica e existencial com um resultado literário jamais alcançado novamente.

    Publicidade
    ANNA KARIÊNINA, de Lev Tolstói (tradução de Irineu Franco Perpetuo; Editora 34; 864 páginas; 119 reais) -
    ANNA KARIÊNINA, de Lev Tolstói (tradução de Irineu Franco Perpetuo; Editora 34; 864 páginas; 119 reais) – (./.)

    Entre esses dois polos, contudo, está Anna Kariênina, a mais fascinante personagem feminina do século XIX. Anna, a deslumbrante mulher que arrebata todas as atenções em um baile em Moscou ou em São Petersburgo com a mesma facilidade com que atrai para si todos os carinhos das crianças na casa da cunhada Dolly. Essa “mulher extraordinária”, vivaz e amorosa, presa em um casamento cinzento, experimentará a paixão avassaladora por Vrôski e a entrega absoluta com um grau de reflexividade, de alegria imperiosa e de tormento insuportável, como nenhuma outra heroína na literatura foi capaz de expressar.

    Continua após a publicidade

    + Compre o livro Crime e Castigo

    Publicidade

    Quando Lióvin finalmente a conhece, já quase ao fim do romance, a tragédia de Anna está praticamente desenhada. Descarrila-se a paixão vivida com Vrônski; o desespero pelo afastamento do filho pequeno consumirá suas energias como nada que se possa comparar. E sobre esse abismo do amor irracional, quase doentio, Tolstói conduz com sua mestria única um inventário das emoções humanas. Nenhum leitor somente lê o romance Anna Kariênina: é preciso vivenciá-lo. E é por isso que a infelicidade dessa mulher inesquecível espelha a tragédia de todos nós — mas para cada um a seu modo.

    Publicado em VEJA de 23 de junho de 2021, edição nº 2743

    Publicidade

    CLIQUE NAS IMAGENS ABAIXO PARA COMPRAR

    Anna Kariênina
    Anna Kariênina
    Guerra e Paz
    Guerra e Paz
    Crime e Castigo
    Crime e Castigo

    *A Editora Abril tem uma parceria com a Amazon, em que recebe uma porcentagem das vendas feitas por meio de seus sites. Isso não altera, de forma alguma, a avaliação realizada pela VEJA sobre os produtos ou serviços em questão, os quais os preços e estoque referem-se ao momento da publicação deste conteúdo.

    Publicidade
    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Domine o fato. Confie na fonte.

    10 grandes marcas em uma única assinatura digital

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo
    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de R$ 2,00/semana*

    ou
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de R$ 39,90/mês

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.