Vale a pena ver de novo. E ouvir. Depois de um período de muita importação, com montagens de sucessos da Broadway como Wicked e A Bela e a Fera, e de uma fase dedicada a biografar grandes personagens nacionais, a indústria do teatro musical encontrou uma fonte de histórias brasileiríssima e inesgotável: as telenovelas. Em 2017, uma série de grandes produções baseadas em clássicos da teledramaturgia nacional entra em cartaz no circuito Rio-São Paulo. Em janeiro, estrearam Carrossel – O Musical, baseado no sucesso infantil do SBT, e Roque Santeiro, inspirado na trama que mais deu audiência à Rede Globo – ela chegou a passar dos 90 pontos no Ibope. Engrossam agora a lista Vamp – O Musical, que entra no circuito carioca em 17 de março, e O Bem Amado, previsto para o segundo semestre, em São Paulo. Mais: no ano que vem, chega ao circuito A Escrava Isaura, com planos de fazer carreira também no exterior.
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O teatro musical, união entre canto, dança e interpretação, vem conquistando o público brasileiro nas duas últimas décadas com franquias internacionais como Lés Miserábles (público de 350.000 pessoas em onze meses de temporada), a primeira grande produção da Broadway a desembarcar aqui, em 2001, e A Bela e a Fera (público de 600.000 pessoas em dezenove meses). A importação se converteu em aprendizado: não foram trazidos apenas temas ou textos, mas também profissionais, tecnologia e conhecimento que engendraram uma revolução no meio, até então em segundo plano no circuito. Desde o que se pode chamar de a retomada dos musicais no país, como dizem seus representantes, houve um crescimento de 1.100% no número de produções do gênero. O grande boom se deu em 2005, com a estreia de O Fantasma da Ópera, que atraiu 800.000 pessoas durante os 25 meses que passou em cartaz.
Passado o deslumbramento inicial com as produções estrangeiras, a cultura nacional começou a assumir o palco com espetáculos sobre personalidades queridinhas do público, caso de Tim Maia, Elis Regina, Chacrinha e Mamonas Assassinas, em produções totalmente brasileiras. De acordo com a organização do Prêmio Bibi Ferreira, a mais importante premiação do meio, na última temporada, compreendida entre junho de 2015 e junho de 2016, as produções nacionais dominaram o palco: foram 17 montagens criadas no país, contra 7 estrangeiras. Um crescimento apoiado pelo público.
“O teatro musical tem a capacidade de ser acessível para um público mais leigo. Um sujeito que nunca foi ao teatro se encanta ao ver uma história enfeitada com música, luz e produção caprichada. É uma excelente porta de entrada para o universo da arte”, diz o maestro Fábio Gomes, responsável pela adaptação de O Bem Amado.
Com uma indústria estabelecida e uma plateia capaz de lotar teatros, foi então que as produtoras identificaram outro gênero dramático queridinho do público brasileiro: as novelas. “Em território brasileiro, não há nada mais forte e mais nosso do que as novelas. É importante trazer para o teatro elementos com que as pessoas se identifiquem”, explica o maestro Fábio. “A gente tem uma dramaturgia tão rica na televisão, então por que não transformar isso em musical também?”, completa Jarbas Homem de Mello, ator que dá vida a Chico Malta (Sinhozinho Malta na TV), na versão musical de Roque Santeiro, peça escrita por Dias Gomes. “Os musicais tiveram um boom nos últimos anos, mas faltava abrasileirar e é isso que estamos fazendo. O teatro quer se aproximar do público”, diz Jorge Fernando, diretor da novela Vamp e também da sua versão cantarolada para o teatro.
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Sem crise
As novas produções musicais não atiram no escuro. Todas as novelas que sobem ao palco em 2017 já foram aprovadas pelo crivo popular e conquistaram fãs Brasil afora. Roque Santeiro paralisou o Brasil no horário nobre com o romance entre Viúva Porcina (Regina Duarte) e Sinhozinho Malta (Lima Duarte). O Bem Amado foi o primeiro folhetim colorido da televisão brasileira, A Escrava Isaura, uma coprodução com uma companhia americana que quer levá-la para a Broadway, já é um sucesso no mundo inteiro, Vamp, o clássico da faixa das 19h, acaba de completar 25 anos, e Carrossel foi a precursora da fábrica de novelas infantis do SBT.
“Não há dúvida de que produzir um musical sobre um texto que já foi consagrado pela TV é muito interessante, pois pode ajudar a despertar a curiosidade do público em relação ao espetáculo”, diz o maestro Fábio Gomes.
Carrossel, aliás, já havia passado também pelo cinema e pelo circo e até virado show. Só faltava mesmo o formato musical. Adriana Del Claro, atriz que interpretou a mãe da personagem Maria Joaquina (Larissa Manoela), encabeça o projeto ao lado do diretor, Zé Henrique de Paula. “Nós assistimos a Matilda na Broadway e pensamos: por que Carrossel não pode ser a Matilda brasileira?” Na adaptação, os alunos vivem uma nova história, criada pela roteirista e diretora Fernanda Maia especialmente para o palco.
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Com um investimento de aproximadamente 5 milhões de reais, a montagem pretende levar 40 000 pessoas para o teatro durante os três meses de temporada. A produção conta com 26 crianças, entre 8 e 13 anos, escolhidas entre 850 candidatos para viver os 13 personagens da novela – dois elencos, batizados de Jujuba e Pipoca, se alternam durante as sessões. Eles eram fãs do folhetim, já sabiam as letras das músicas e o tom certo de cada uma, de acordo com Zé Henrique. “Eu vestia minha luva e ia para a escola fingindo que era a Maria Joaquina”, conta Isabella Faile, atriz que dá vida a Alícia.
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Da novela original, seguem as atrizes Rosane Mulholand, a professora Helena, e Márcia de Oliveira, a Graça, duas personagens icônicas e queridas pelas crianças – maioria absoluta da plateia do Teatro Santander. Além das duas atrizes, a montagem conta com itens do acervo original da novela, como carteiras e uniformes. Fãs assumidos da novela, os atores mirins se empolgaram: “Vocês lavaram essas carteiras? Por favor, digam que não”.
A montagem de Vamp (aqui, em vídeo cedido pela produção) também tratou de providenciar dois atores de peso da novela da TV. Ney Latorraca e Claudia Ohana retomam seus papéis como os vampiros Vlad e Natasha, o vilão e a mocinha. “Não tínhamos como fazer Vamp sem Ney e Ohana. Esse projeto é uma grande celebração”, disse o diretor Jorge Fernando. A peça, que será uma síntese do que foi apresentado na Rede Globo em 1991, contará também com o roteirista Antonio Calmon.
Ney Latorraca acredita que agora vai ser ainda mais fácil dar corpo ao divertido e verborrágico Vlad. “Eu acho que estou até com minha voz mais limpa do que antes para cantar, pois parei de fumar há catorze anos”. E a diferença entre o palco e a televisão? “Teatro é ao vivo, com o público na hora, não tem corte, não tem edição.”
No segundo semestre de 2017, O Bem Amado também ganhará os palcos. Com Nelson Freitas como Odorico Paraguaçu, papel eternizado por Paulo Gracindo, o musical vai manter alguns dos clássicos da trilha original de Toquinho e Vinícius. A produção, autorizada a captar aproximadamente 4 milhões de reais via leis de incentivo, se baseará na história original de Dias Gomes. “A trama gira em torno de um político corrupto, que usava mal o dinheiro público. É um tema muito atual apesar do texto ser de 1963”, diz o maestro Fábio.
Conexões entre ontem e hoje não faltam. Em Roque Santeiro, também baseado na obra de Dias Gomes, o ator Jarbas Homem de Mello promete um tributo a Lima Duarte: “É um personagem icônico, não tem como falar de Sinhozinho Malta e não lembrar de Lima, então me dei ao luxo de homenageá-lo usando uma coisa que ele usava muito na novela”, disse. Quem pensou no barulho de um chocalho não passou longe. É mesmo um vale a pena ver de novo.
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